Estudos

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A IMITAÇÃO DE CRISTO - KEMPIS - RELEITURA - 02


A Imitação de Cristo - Tomás de Kempis
Releitura

LIVRO PRIMEIRO
AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL

CAPITULO 2
Do humilde sentir de si mesmo
 
1. Todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ciência, sem o temor de Deus? Melhor é, por certo, o humilde camponês que serve a Deus, do que o filósofo soberbo que observa o curso dos astros, mas se descuida de si mesmo. Aquele que se conhece bem se despreza e não se compraz em humanos louvores. Se eu soubesse quanto há no mundo, porém me faltasse a caridade, de que me serviria isso perante Deus, que me há de julgar segundo minhas obras?
1. Renuncia ao desordenado desejo de saber, porque nele há muita distração e ilusão. Os letrados gostam de ser vistos e tidos por sábios. Muitas coisas há cujo conhecimento pouco ou nada aproveita à alma. E mui insensato é quem de outras coisas se ocupa e não das que tocam à sua salvação. As muitas palavras não satisfazem à alma, mas uma palavra boa refrigera o espírito e uma consciência pura inspira grande confiança em Deus.
2. Quanto mais e melhor souberes, tanto mais rigorosamente serás julgado, se com isso não viveres mais santamente. Não te desvaneças, pois, com qualquer arte ou conhecimento que recebeste. Se te parece que sabes e entendes bem muitas coisas, lembra-te que é muito mais o que ignoras. Não te presumas de alta sabedoria (Rom 11,20); antes, confessa a tua ignorância. Como tu queres a alguém te preferir, quando se acham muitos mais doutos
do que tu e mais versados na lei? Se queres saber e aprender coisa útil, deseja ser desconhecido e tido por nada.
3. Não há melhor e mais útil estudo que se conhecer perfeitamente e desprezar-se a si mesmo. Ter-se por nada e pensar sempre bem e favoravelmente dos outros, prova é de grande sabedoria e perfeição. Ainda quando vejas alguém pecar publicamente ou cometer faltas graves, nem por isso te deves julgar melhor, pois não sabes quanto tempo poderás perseverar no bem. Nós todos somos fracos, mas a ninguém deves considerar mais fraco que a ti mesmo.

O ímpeto de buscar conhecimento advém do Ego que, enquanto interface entre o espírito e o ambiente desafiador, consolidou-se momento a momento como consequência autêntica da necessidade de sobrevivência. A evolução não dá saltos e o aprendizado se estabelece em conformidade com a experiência de cada evolucionário. Uns vão adquirindo determinadas aptidões e tendências enquanto outros desenvolvem-se em outros aspectos. Certo que, no decorrer dos evos, cada alma há de bem aprender acerca de todo o necessário para estabelecer-se como consciência responsável por sua própria condução, convivência, para tanto absorvendo valores éticos que, como tudo, vão se aprimorando mais e mais.
Bem nesse ponto Kempis questiona: “Todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ciência, sem o temor de Deus?”.
De fato, mesmo nos meios acadêmicos mais condoreiros da ciência ortodoxa atualíssima um ponto que vem sendo mais e mais discutido é a ética que deve informar a busca científica. Notadamente nos comentimentos da Bioética o cientista se vê sob inovado rigor por parte da sociedade em geral, cobrado na essência de sua pesquisa quanto ao resguardo da dignidade do ser humano.
É o tardio reconhecimento do questionamento de Kempis. Essa necessidade de submissão a uma moralidade científica, independentemente de pendores religiosos, é a ciência que melhor aproveita ao homem porquanto sob o “temor de Deus”.
No mesmo passo, o intuito do homem de ciência tanto mais aparta-se desse “temor de Deus” quanto maior a vaidade com que se entrega às suas buscas, sem autênticas preocupações com a conquista de benefícios à humanidade.
Menos mal que o homem renuncie à busca de conhecimento se estiver apenas sob o império de sua sede avassaladora de saber, sem a essência de aplicar o seu saber em benefício do semelhante. Assim é tanto para o obstinado habitante de laboratórios como para os que se entregam às ideias, filosofando, abarcando sistemas, cogitando teorias.


quarta-feira, 8 de agosto de 2018

A IMITAÇÃO DE CRISTO - KEMPIS - RELEITURA - 01


A Imitação de Cristo - Tomás de Kempis
Releitura

LIVRO PRIMEIRO
AVISOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL

CAPÍTULO 1
Da imitação de Cristo e desprezo de todas as vaidades do mundo

1. Quem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor (Jo 8,12). São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo.

Desde o início da jornada evolucionária humana neste planeta, de tempos em tempos um Mestre vem à vida física ordinária para ministrar, por meio de sua vida e seu exemplo, os Ensinos Superiores, seja renovando-os, aclarando-os, ou mesmo agregando novos valores da Cosmoética.
Da mais remota Antiguidade e sempre o homem se vê confrontado com os Ensinos. Quando da vinda do Cristo Planetário ao Plano das Formas, foi na sublime pessoa de Jesus que, por três anos, viveu entre os espíritos aqui humanizados em árdua missão de esclarecimento quanto à conduta a se alcançar por esforço de auto-aperfeiçoamento.
Bem por isso foi destacado por Kempis o “principal empenho” de “medidtar sobre a vida de Jesus Cristo”.

2. A doutrina de Cristo é mais excelente que a de todos os santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná escondido. Sucede, porém, que muitos, embora ouçam frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser compreender e saborear plenamente as palavras de Cristo é-lhe preciso que procure conformar à dele toda a sua vida.

O Ensino trazido pelo Cristo Planetário demarcou profunda alteração nos rumos da Humanidade Terrestre. De se ver que naqueles tempos era do costume geral, amplamente aceito, a Lei do Talião. Olho por olho, dente por dente, era um enunciado a que raríssimos indivíduos antepunham alguma dúvida. Bem provável que a letra das Antigas Escrituras, forjadas à cultura de antanho, tenha demarcado nas considerações comuns que a causalidade de nossas atitudes devesse ser regra manejada pelo homem comum, o que fez da vingança uma noção deturpada do conceito de “justiça”.
Daí o caráter renovador da Lei do Amor que o Cristo veio vivenciar diante de tantos olhares de espanto.
Esse espanto, diz Kempis, decorre do fato de que os homens “não possuem o espírito de Cristo”, o que torna imprescindível “conformar à dele toda a sua vida”.

3. Que te aproveita discutires sabiamente sobre a SS. Trindade, se não és humilde, desagradando, assim, a essa mesma Trindade? Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma, a saber defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, de que te serviria tudo isso sem a caridade e a graça de Deus? Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade (Ecle 1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria é esta: pelo desprezo do mundo tender ao reino dos céus.

Aspecto bastante áspero da condição humana, o ímpeto de buscar reconhecimento pessoal, um autêntico culto ao Ego, é desnudado por Kempis com a simples indagação acerca do real valor de um vasto conhecimento meramente formal, sob arestas de erudição, em contraponto com a conduta lídima indicada pelo Cristo.
Rercurso belíssimo de retórica, Kempis assevera que prefere “sentir a contrição dentro de minha alma, a saber defini-la”.
De fato o homem simples, incapaz de articular definições e deitar conceitos, tem muito mais mérito do que o douto que discursa sob impecável oratória, que seduz pelo canto poético de um saber tão amplo quanto, inversamente, confunde pelo exemplo faltoso de mínimas virtudes diante do semelhante.
É preciso entender que o “desprezo pelo mundo” refere-se ao desprezo por essa postura hipócrita, tão comum no mundo, diga-se, desde então até hoje.
Consequentemente, desprezada a hipocrisia dos galardões egoístas das palavras ocas, sem lastro na conduta de Amor ao próximo, põe-se o homem já a “tender ao reino dos céus”.

4. Vaidade é, pois, buscar riquezas perecedoras e confiar nelas. Vaidade é também ambicionar honras e desejar posição elevada. Vaidade, seguir os apetites da carne e desejar aquilo pelo que, depois, serás gravemente castigado. Vaidade, desejar longa vida e, entretanto, descuidar-se de que seja boa. Vaidade, só atender à vida presente sem providenciar para a futura. Vaidade, amar o que passa tão rapidamente, e não buscar, pressuroso, a felicidade que sempre dura.

A condição humana ganhou o peso de maiores responsabilidades quando o espírito passou a bem inteligir sobre o caráter de seus atos perante si e os demais. Equivale a dizer, o homem afastou-se suficientemente da animalidade meramente instintiva e embalou-se por gerações na constituição de suas famílias, clãs, tribos, nações.
Com isso o Ego despontou como elemento de interação do espírito com o ambiente, tantas vezes hostil, em que pelejava pela sobrevivência.
Após as preciosas Lições de tantos Mestres semeados na humanidade, o Cristo Planetário veio vivenciar que o Ego deveria ser, já a partir de então, subjugado pelas noções mais elevadas que germinavam na alma.
Numa palavra, o homem passou a ter diante de si a responsabilidade por elevar a escala de seus valores, vencendo a difícil tarefa de transcender aos ímpetos do Ego para dar vazão aos impulsos mais sutis, sublimes, que já lhe vinham vibrando no âmago de incômodos intuídos.
Ao homem passou a ser exigido, mais plenamente, que passasse a viver de acordo com a Lei do Amor.

5. Lembra-te a miúdo do provérbio: Os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos de ouvir (Ecle 1,8). Portanto, procura desapegar teu coração do amor às coisas visíveis e afeiçoá-lo às invisíveis: pois aqueles que satisfazem seus apetites sensuais mancham a consciência e perdem a graça de Deus.

Como é filosoficamente mais simples conquanto espiritualmente muito mais complexa a Lei do Amor, resumida ternamente no enunciado amai ao próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas, o homem demonstra dificuldade em contentar-se com o que o coração lhe garante mas a razão não alcança.
Os olhos querem sempre mais e mais ver, tanto quanto os ouvidos buscam ainda mais novidades ouvir. Mas não há ensinamentos novos ou descobertas da busca pela busca que se sobreponham à Lei do Amor.
O homem necessita deixar os prazeres que moveram e ainda movem o Ego como estímulo à conquista do mundo para, como já destacado, passar a desprezá-lo. Não voltaremos às cavernas, mas devemos manter nossas conquistas cientes de que há muito mais a se dominar. Agora, devemos dominar a nós mesmos conscientes de que tudo o mais é apenas o meio para se atingir virtudes que fazem a alma mais capacitada ao Amor e à ascensão aos Planos Superiores da Existência.