Estudos

domingo, 23 de agosto de 2015

O Paraíso Perdido

No último post, falamos sobre uma certa gota dispersa no ceio do oceano. Cada um de nós é assim. Pensamos e pensamos, meditamos por anos a fio exatamente sobre esse aspecto da existência, ainda que sob variados coloridos, terminologias, consoante a corrente com que mais nos indentifiquemos.

É muito difícil para o ser humano, ainda sob os rigores da restrição máxima que o plano físico enseja, aceitar livremente que não tem, a rigor, uma identidade absoluta. Desde cedo aprendemos que somos aquele alguém com determinado nome, família, jeito, gostos, capacidade etc. Aquele alguém que prontamente identificamos no espelho do banheiro todos os dias.

É de várias doutrinas mais ao leste que a consciência humana se entende, no físico, naquilo que chamam de Ego, diferenciando-o do Eu verdadeiro, superior, que preside aos fenômenos gerais do ser. O Ego é esse alguém que você chama de si mesmo, apesar das referidas doutrinas alardearem que ele é tudo, menos o seu Eu verdadeiro.

É muito difícil definir esses aspectos essenciais do ser através de palavras. Basicamente, quando há a restrição total que permite a individualidade total do ser, a vida no plano físico, plano das formas, há também a atuação de um foco consciencial engendrado em tais restrições a fim de permitir o funcionamento do Eu superior no plano especialíssimo que é a imersão na matéria densa.

Pensemos em termos de computação. Se uma realidade virtual há de ser estabelecida através de um programa, a fim de permitir que o usuário do computador atue largamente, digamos, no seio granítico dos minerais mais densos, ali vivendo como se tal fosse seu habitat normal, certamente o programador pensaria em restrições mil, enredando-as com atribuições tais que pemitissem a esfera máxima de liberdade para os cometimentos necessários naquele meio.

Todas as limitações, decorrentes da restrita atuação do robô com que atuaria no mundo mineral, deveriam ser tais que permitisse ao usuário sentir-se como que um só com o robô controlado pelo programa, de modo a permitir-lhe plena adaptação e conforto para agir. O mais relevante: uma longa série de modos de operação deveria ser automatizada para que o usuário não precisasse ter que reaprender a como agir diante dessa ou daquela ação somente factível sob determinada disciplina de ação. O programa teria que ter rotinas prontas, acionáveis pela vontade do usuário ao iniciar determinado concerto de atitudes. Essas rotinas seriam autoprogramáveis, incorporando métodos e variantes conforme a ação se desdobrasse, enriquecendo o estoque de possibilidades automatizadas no correr do tempo.

O programa, ainda, deveria ter uma parte residente fiscalizando todas as ações, de modo a optar pelas rotinas pré-programadas com preferência à escolha do próprio usuário, ao menos quanto à ordem de assunção.

O usuário poderia, caso insistisse em opção diferente da pré-estabelecida, modificar o regime de ação, mas somente à conta de esforço por fazer isso ou aquilo vencendo a resistência natural do sistema concebido para reagir de determinada forma.

Conquanto assim se fizesse, com o usuário do programa agindo e interagindo com o robô enfiado no seio mineral, não teria sentido pensar que o robô é um ser à parte, com vida própria, em substituição ao usuário, para si abstrato, distante e não plenamente identificável.

Do mesmo modo, o Ego (o robô e seu programa de rotinas próprias) não é um ser autossuficiente e absolutamente apartado do Eu superior (o nosso usuário de computador). Mas tem, sim, vontade própria e determinante na maioria das vezes.

Atuar livremente no seio mineral, para um homem, é como, para o ser espiritual, estar em estado de manifestação através de um corpo físico, vivendo no plano das formas.

Mas nosso exemplo, nossa fantasiosa analogia, é paupérrima em relação ao Ego e ao Eu superior. O Ego é senhor quase absoluto das reações do ser encarnado. Tanto que você realmente pensa que é o seu Ego. Demonstra muita dificuldade de aceitar que há um Eu superior que se manifesta no plano das formas através de um instrumento sofisticado chamado Ego. E mais, o Ego é tirânico ao impor suas vontades, suas escolhas. Arrisco-me mais, asseverando que o Ego é o protagonista de toda a obra de Milton, Paraíso Perdido, revoltado e em franca animosidade contra os chamamentos que vêm do Eu Superior.

Mas nossa analogia não é tão ruim assim. O programa somente pode ser posto a funcionar se tanto o usuário como o hardware utilizado forem suficientemente aptos aos fins. Isso significa que o Ego somente existe porque o Eu Superior e seu aprendizado na fase de existência física permitem esse complexo sistema de atuação.

Somos uma gota no seio do oceano. Somos o chamamento superior à forma de manifestação que temos no plano físico. Somos mais que o corpo e nossa mente. Transcendemos o corpo e nossa mente tanto quanto o usuário transcende o robô e o programa utilizado.

Não é que tenhamos que perder nossa individualidade; de fato, tal individualidade jamais foi mais que um instrumento para aprimoramento do Eu Superior. Não, não se angustie. Tal ansiedade é fruto, tão-só, da resistência do Ego à aceitação de que não é mais que um coadjuvante nesse imenso teatro da vida.

Bem por isso, há milhares de anos, flui o ensinamento de que devemos transcender o nosso Ego.

Devemos acorrentar o diabo e prendê-lo no abismo das formas, que é o seu lugar.



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