sábado, 26 de junho de 2010

Culpa, o veneno nosso de cada dia...

O ser evolui pela senda do automatismo instintivo, aprimorando sobremodo o instinto de conservação sob pena de não aperfeiçoar-se (adaptar-se) o suficiente e, por seleção natural, deixar de existir. Nesse concerto, como expressamente diz a Doutrina Espírita (principalmente o Livro dos Espíritos, A Gênese e O Céu e o Inferno), conforme o ser progride pela fase de humanização e ganha consciência ética, as ações decorrentes dos automatismos instintivos passam a constituir vícios e paixões, no sentido de que o ser, então, conhece o aspecto prazeroso que ultrapassa a satisfação da mera necessidade.

A cada milímetro conquistado de consciência ética, tanto mais culpado sente-se o ser por agir em desconformidade com os foros de "certo e errado" que florescem.

Já hodiernamente, quando fazemos algo ruim a um semelhante e nos arrependemos, é comum que o remorso nos remeta a um desejo quase inconsciente de pagar pelo erro, de compensar, enfim, de fazer algo que possa nos atenuar a sensação de culpa. Esse sentimento, é claro, só existe em quem adquiriu valores éticos e tenham assumido padrões mínimos de valoração da conduta.

Mas, desde que existam esses valores conquistados, o ser passa a ter uma necessidade de sentir-se redimido, no mais das vezes, através de alguma punição --- já que é mais fácil punir-se do que trabalhar em prol da reconciliação.

Creio que, nos exatos contornos dos ensinamentos doutrinários, não existe o "karma" como punição, ou como consequência fatal, mas sim como o que nós mesmos forjamos para nós através de nossas culpas. A consciência (entendida aqui como a noção do erro cometido) está alocada no âmago de nosso ser; não há ninguém buscando nos castigar, tampouco permitiríamos ser castigados por algum processo obsessivo se não tivéssemos janelas escancaradas para o ingresso do pensamento algoz --- a nossa culpa.

De fato, a sintonia que estabelecemos com nossos semelhantes (tanto no plano físico como no plano espiritual) pelos padrões de nossa vida psíquica, é forte vinculação que realimenta o comportamento vicioso mutuamente. Mesmo nos desvarios aparentemente menos danosos, como a gula, o senso de desequilíbrio sedimenta-se e edifica uma crescente certeza de conduta errada --- o ser se perde em sua culpa e, ansioso, ainda mais fica suscetível à egrégora de pensamentos e emoções em que comungam gulosos de toda sorte.

Para deixarmos de sentir culpa é primordial que abandonemos as auto-corrupções. Ao menor sinal de que estamos fazendo ou deixando de fazer algo, numa conduta que nossa consciência detecta como "erro", devemos ajustar o comportamento. Orai e vigiai.



terça-feira, 22 de junho de 2010

Sobre a "pureza" da Doutrina Espírita

Não adianta... Sempre que alguém com senso universalista, cosmopolita, ecumênico, tenta interpretar os ensinamentos constantes das obras da codificação espírita, surgem sempre os fundamentalistas empunhando cimitarras ideológicas para a Jihad contra os infiéis.

Ainda mais curioso, no meio espírita existem mais universalistas do que fundamentalistas, como, de resto, sempre ocorre na cultura humana em geral. Os radicais, os literais, os restritivistas da inteligência dos ensinos são como crianças extremamente peraltas numa piscina. Mesmo que a maioria exerça com parcimônia o seu direito de comungar do banho refrescante, os peraltas o fazem com muito barulho, espirrando borrifos para todos os lados, pulando e mergulhando sem enxergar direito o que têm pela frente...

É incrível como o ser humano tem necessidade atávica de eleger um guru, um idéia, um livro, enfim, algo em que possa depositar todos os seus sonhos de "salvação", "elevação", ou qualquer valor que lhe dê a paz interior de estar entre os que "sabem", os que "conhecem a verdade"...

Ainda mais curioso que um homem muito sábio disse exatamente o contrário, certa vez: "só sei que nada sei"... Caminhava à margem do Peripatus, perguntando corretamente para estimular respostas igualmente corretas. Bem diferente de quem diz "isso é assim porque consta do livro tal ou qual".

Já tive oportunidade de dizer que é preciso muito mais fé para crer no que diz a Mecânica Quântica do que no que asseveram as doutrinas espiritualistas... Pelo menos a ciência não tem "vergonha" de mudar o modelo adotado até então, sempre que bons motivos apontem para outros caminhos... Nenhum cientista fica esperando até que algum Grande Cérebro venha gravar uma nova tábua de mármore.

Todos nós sabemos (desde a Antiguidade) que é preciso ensinar a pescar e não dar o peixe.

No entanto, ainda pululam os defensores de verdades últimas imutáveis, que não admitem nem mesmo a ampliação de conceitos enunciados como uma mera propedêutica, um intróito, uma cartilha iniciática que se limita ao respeito pela capacidade do iniciante...

O grande mal de uma parte (felizmente menor) dos estudantes do espiritismo é restringir-se às obras da codificação como se fossem verdades últimas absolutas e imutáveis.

O colégio de Espíritos Superiores que ditaram os livros da codificação --- não me furto a apontar esse aspecto --- é apenas e tão-somente um grupo de seres que ditaram o que lhes pareceu acertado para o momento. Foram homens. Estiveram na Terra. Não se trata de seres da mais pura Luz que sequer podemos conceber como sejam em sua essência espiritual.

É preciso arrostar esse preconceito tão distorcido quanto qualquer outro: a verdade absoluta dos livros da codificação espírita SÓ existe para quem assim aceita que o seja... Nem mesmo os textos da codificação permitem concluir que ao homem não seja dado, e exigido, que de tudo cogite, duvide, desde que o faça com o coração puro de intenções.

Eu não carrego nem a Bíblia, nem o Alcorão, nem os Vedas, nem Kardec debaixo do braço...

Há pessoas que não crêem que o homem foi à Lua... Seria interessante esclarecer a esses que há uma placa deixada na superfície da Lua cuja principal função é refletir pulsos de luz enviados dos laboratórios da Terra, como forma de calcular-se, nesse nível de distância, os efeitos de aspectos da relatividade etc... Ah! Não foi só uma missão que foi à Lua --- mas apenas a primeira ficou famosa...

O homem tende a ser muito, muito vaidoso.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Pequenas Obras

Um dos aspectos cosmoéticos mais relevantes é a relatividade da importância de atitudes aparentemente insignificantes. A bela música de Renato Teixeira diz "como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar". O romeiro vence a distância e, diante do objeto de sua devoção, exibe a si mesmo, desnudando-se candidamente. A prece assim ofertada, apenas com um olhar, tem menor valor?

Quando lhe batem ao portão pedindo comida, ou água, ou uma esmola qualquer, qual a atitude correta a se tomar? Impressionam-me tantos sofismas acerca do "mal" que fazemos ao estender a mão a quem nos pede algo. Variam desde a invocação das desditas auto-impostas até a responsabilidade aviltada das obras sociais que os tributos deveriam financiar. "Não podemos consertar o mundo!", bradam tantos...

Mas... Dar uma esmola, como quem se doa num olhar, seria mesmo algo tão pernicioso?

Sei de muitos que entendem ser a desdita de cada um a medida exata que o Universo forja para as suas necessidades... Algo assim como um autêntico "já que Deus assim o permite, não serei eu quem vai se meter...".

De minha parte, na pequenez de minhas imperfeições, ouso romper o silêncio para impor a mim mesmo um dever: jamais deixarei de dar uma esmola, um trocado, um pouco de comida, ou simplesmente minha atenção, meu olhar, a quem me pede... Se o dinheiro for usado para uma cachaça, que o álcool alivie o espinheiro de quem perdeu-se nas correntezas perigosas desse ribeirão que é a Vida... Se a comida alimentar quem se joga voluntariamente na assistência alheia, que a fome não o atormente mais do que suas opções infelizes.

Bem, mas não só de mendigos e pedintes estamos a cogitar.

Renato Teixeira foi tocado por inspiração ao conceber a mais simples oração como um olhar. De fato, uma das obras mais significativas que o homem pode realizar neste mundo é olhar o seu semelhante nos olhos, dando-lhe atenção de verdade, ouvindo-o para a doação de uma resposta que, na medida das próprias imperfeições, não se ressinta de sinceridade.

Com o tempo aprendemos que essas pequenas obras são os tijolos da Grande Obra. Ninguém poderá se auto-corromper negligenciando o amor ao próximo sem sofrer a óbvia consequência: saber-se-á devedor de um dos mais valiosos dons magnos da Alma, a Boa Vontade.

Não se trata de religião ou religiosidade. É o que nos cabe do Olhar...

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Deus est daemon inversus

O homem foi o ser que Deus escolheu para conhecê-Lo... É o que se extrai dos ensinamentos de Kardec e do espiritualismo em geral, variando a forma como é mencionada essa verdade. Em algum lugar, alguém disse "sois deuses"... Mais alguém houve por bem chamar "mônada" a semente celestial que o Criador depositou na onda de vida e evolução que hoje se põe a cogitar de si mesmo.

Somos seres recém-saídos do império dos vícios e paixões advindos do instinto de conservação. E se ultrapassamos o império desse instinto, estamos ainda muito longe de tê-lo integralmente superado.

A epinefrina nos invade o sangue, refletindo no vaso físico os fluxos de energia com que a Vida nos condicionou à quintessência do barro refinado da Luz Astral. Emanamos raios de luz mantendo o carvão na essência de nossa morada fisiológica. Ensaiamos necessidades alheias aos impulsos que, por evos, nos salvou de sucumbir por inação ou por incapacidade de reagir ao meio.

Somos, sim, seres destinados à ascensão irresistível em que Chronos nos conduz... "Deus est daemon inversus"... Verso e reverso, compartilhamos a natureza da Luz e das Trevas enquanto barro vivificado pelo sopro do Altíssimo. Somos integrantes da Obra como coadjuvantes da Ópera Divina, cantando ainda no tom desafinado de nossas possibilidades, nem por isso enarmônicos no todo de harmônicos mais graves que dão a textura correta da Sinfonia que flui à eternidade.

Rompemos o claustro materno, qual semente que irrompe da casca e, sedenta, busca o raio amarelo do veio divino em que a Sabedoria nos acalenta. Sorvemos, inocentes, o brilho azul do Poder que tudo conduz, aviltando a chama rosa com que o Universo tudo abarca num enlevo de Amor.

Nos primeiros e claudicantes passos da consciência aprendemos a não apenas sentir, mas a buscar o prazer com que a Vida nos brinda qual estímulo para o esforço indispensável. Turvamos, assim, a expansão com que o instinto nos eleva no arrastamento pueril com que a euforia, esta serpente insidiosa, nos seduz.

Aprendemos e passamos a conhecer... Comemos do fruto e abandonamos para sempre a inocência que nos mantinha isentos...

Não, não há nada no sofrimento do homem que não seja a incompreensão de sua condição anímica infantil. Ninguém é mais cruel do que uma criança... Tampouco é mais verdadeira e sincera... Quando ama, ama plenamente...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Aflições

A aflição a que o Mestre se refere como uma bem-aventurança certamente não traduz um ideal de sofrimento como bênção a se cultuar, à guisa de um pretenso postulado de dor pela dor... Não... Ocorre que todo evolucionário que se põe neste planeta sob o aguilhão que compele à ascensão, via de regra mescla com a missão a que se dedica um leque maior ou menor, conforme o caso, de retificações necessárias. Não se sabe de nenhum ser humano dedicado à Vida Superior que tenha percorrido a jornada terrestre dentre flores num jardim... Sofrem aflições múltiplas, quase sempre decorrentes da busca interior e do compromisso perante si mesmo e para com o Criador, em torno do qual norteia suas opções sob o determinismo das consequências.

É, pois, comum que o indivíduo que mantém os olhos fitos nos valores magnos da alma, perseverando na árdua senda da benevolência, da indulgência e do perdão, tenha os naturais espinhos de sua condição ainda umedecida pelas lágrimas dos vícios e paixões que herdamos de nossa origem instintiva.

A aflição retrata aquela sensação de estar em débito perante a Vida, sentimento que, se bem meditado, não deve levar à ansiedade mas sim à compreensão do sentido da existência atual.

Bem-aventurados os que compreendem sua aflição e se sustentam na confiança de que o todo universal é regido pelo Pensamento do Criador.