sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A Fé e a Sabedoria

A Fé e a Sabedoria

Base: Tiago 1:5-8 - "Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida. Peça-a, porém, com fé, sem duvidar, pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento. Não pense tal pessoa que receberá coisa alguma do Senhor, pois tem mente dividida e é instável em tudo o que faz."

SITUAÇÃO: falta de sabedoria.
CORRIGENDA: pedir sabedoria com fé.
FALHA: pedir sabedoria sem fé.
CAUSA DA FALHA: a falta de fé causa uma mente dividida que é instável em todos os seus processos.

Pois bem.

Se tomarmos a instabilidade da mente ("onda do mar, levada e agitada pelo vento") e a expressa menção ao seu estado de divisão (dúvida),  estabelece-se uma vinculação clara entre o Ensino de Tiago e a tradição antiga, mais ao leste, que situa a mente humana nos limites da dualidade yin-yang, com toda a noticiada impossibilidade de compreender a Unidade.

Isso tudo passando por Hegel e a Dialética em si.

Vale repisar, vincula a instabilidade da mente com falta de fé.

A Fé tem sido compreendida como o antegozo da graça pedida e/ou a prova de algo ainda indemonstrável.

Em última instância (como eu sempre imaginei), não é a lógica que leva às conclusões mais complexas.

Einstein e toda a turma de Copenhagen (Bohr etc) não teriam, propriamente falando, como concluir coisa alguma por demonstração lógico-formal, quer das estranhezas da Relatividade, quer do bizarro microcosmo de ondas e/ou partículas da Mecânica Quântica.

Tiveram que esperar por anos até que o suporte tecnológico permitisse experiências comprobatórias nos laboratórios avançados.

De se ver! Primeiro conceberam, depois comprovaram.

O mais fascinante é que na vida comum do ser humano (será lícito assim deduzir?), na verdade tudo ocorre do mesmo (e único real) modo.

O homem desenvolveu toda uma lógica formal como instrumento norteador de seu pensar.

Comeu do fruto do conhecimento. Um bom nome para a serpente seria "Dúvida", que o apartou da simples postura de "crer".

Todavia, por outro lado, e aí está um aspecto bem significativo, quando se põe em ativa criação mental no livre e sedutor cultivo das Artes, tudo lhe flui sem quaisquer cerimônias quanto a disciplina, método ou preparação... 

Tanto que, como se costuma dizer, um artista que não cria com a magia da Arte não é um artista, conquanto possa tornar-se um crítico. Nada mais amargo...

Paralelamente, um homem dotado de apurada visão lógica nem por isso, talvez, sequer compreenda os postulados das ciências mais elevadas. Também aqui vemos amargor.

A fé se apresenta, então, não mais como uma muleta para os desvalidos de um inextricável destino.

Não.

A fé surge como uma real e efetiva possibilidade de concentração em algo que suplicamos sem nenhuma humilhação: o desejo puro e simples de entender, compreender, de ver (muito mais que enxergar), de ouvir (muito mais que escutar), partindo sempre (e aí, sim, com total humildade) da premissa de que nada sabemos.

Terá sido por isso que o Grande Filósofo nos concedeu a máxima: "só sei que nada sei?" ?

Segundo alertam estudiosos do esoterismo, não devemos conceituar a Criação como um processo de construção de algo, um processo externo em que partes são juntadas ou postas em reação. Uma ideia melhor, ou menos imperfeita, de Criação é a emanação da própria "substância" do Criador. Essa emanação parte do Inefável, Incognoscível, para uma dimensão próxima de Si mesmo, ou, conforme seja de Seu Propósito, para planos existenciais que, de tão diferenciados, chegam à dimensão das formas físicas, da matéria, que subjuga em si a dualidade Espírito / Matéria sob a ação conjugadora da Mente.

Não tem sentido tentar compreender como são as miríades de intérfases ou quantas delas sejam necessárias para que se possam imaginar os eventos sucessivos do fenômeno. Está muito além de nossas cogitações.

E por não ter mesmo sentido algum, no Ensino aberto, já acima referido, de Tiago, é feita a advertência:

"Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida. Peça-a, porém, com fé, sem duvidar, pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento. Não pense tal pessoa que receberá coisa alguma do Senhor, pois tem mente dividida e é instável em tudo o que faz."

Aquele que duvida é semelhante à onda do mar. Tem mente dividida.

Percebe?

Um senhor americano (não me recordo o nome) ficou famoso por se apresentar em inúmeros ginásios fazendo arremessos livres à cesta de basquete. Eram centenas e centenas de arremessos sem um erro sequer.

Seu truque? Ele simplesmente afirmava que começava a arremessar e se punha a pensar em outras coisas. Nunca tentei fazer o mesmo, nem pretendo, mas ele fazia isso vez após vez, de cidade em cidade.

Ora, a mente dele, no que concerne à ação de arremessar, não estava dividida... Não sofria o efeito da dúvida: não oscilava.

Ele tinha fé de que acertaria os arremessos.

Ter fé é comungar da ausência de defeitos do Criador. É deixar-se ser Ele próprio. Esquecer o fruto do conhecimento e simplesmente ser... Fazer...

Sendo a Criação uma emanação do Criador, a comunhão perante a criatura só pode ser atrapalhada por um único ser: ela mesma.

Já dissemos que a Arte mundana costuma fluir sem maiores gabaritos formais. Mas tomemos um exemplo de uma Obra Clássica.

Dizem que Mozart compôs uma sinfonia aos nove anos de idade...

Será que Amadeus (nome bem significativo aqui) ficava arquitetando engendramentos harmônicos, após conhecer, dominar e adestrar toda uma imensa lógica formal da erudição musical?

Ou será que, por ser a música uma Arte, fez ele como o Zé das Couves, que compôs um sambinha bonitinho mesmo sem conhecer nem o nome das cordas do cavaquinho?

O nosso querido José, dito das Couves, abstraiu o seu arrogante Ego dominador e deixou que seu Eu Superior, sua Alma, fluísse na suave e serena liberdade de criar uma canção.

Ele não meditou. Ele tomou do cavaquinho e se deixou cantar aquele samba desde sempre conhecido.

Acho que deveríamos, mesmo, ser simples como as crianças...