sábado, 13 de junho de 2020

Pandemia - Junho/2020

Junho de 2020


Quando olhamos o passado e meditamos sobre as fases ruins que o mundo viveu, via de regra, tudo parece muito tenebroso.

Até a minha geração havia um motivo a mais para isso. Os registros antigos de imagem, fotografias ou vídeos, foram feitos em preto e branco e sob padrões hoje considerados péssimos de definição.

Não há dúvida.

Quando vemos imagens, por exemplo, dos grandes desfiles nazistas todo o tom majestoso ainda mais se transmuta para cenários trevosos sob as imprecações borradas e tremidas e com a voz do discurso metalizada e com ruídos.

Imagens da II Guerra causam tormentos não muito diferentes dos filmes tanto mais escuros e imperfeitos produzidos durante a I Guerra...

A Espanha de Franco também está na memória de quem não se resguarda de rever como já foi a vida.

Lá no início do conturbado século XX também está a Gripe Espanhola.

Aliás, nada mais

 aterrorizante do que pensar em pandemias nestes tempos.

Seja como for, com a pandemia atual da COVID-19, percebemos que não é a mesma coisa saber ou conhecer alguma tragédia se compararmos com a experiência de vivenciá-la.

É menos assustador estar no barco que atravessa uma tempestade do que avistar de longe esse mesmo barco e contemplar sua travessia.

Exatamente isso que tenho sentido ultimamente.

E isso também me assusta muito.

Quando olho para as velhas catástrofes da humanidade, vejo-as como períodos insuportáveis. Só de contemplar um grupo de oficiais da SS, por exemplo, todo o horror do holocausto me retorna à alma, assim como numa catarse retroativa por comunhão arquetípica. Se é que me posso expressar assim.

Vendo os capacetes com pontas, o Grande Primeiro Conflito me retorna com os combates aproximados, inimigo matando inimigo olhando-o diretamente nos olhos.

E a peste?

As máscaras longas dos físicos com capas negras e enormes chapéus. Numa época em que nada se sabia sobre patógenos.

Na Gripe Espanhola, imensos hospitais improvisados com macas alinhadas, enfermeiras gravemente uniformizadas e a morte ceifando milhões no mundo todo.

Mas...

Que temos hoje?

Um vírus altamente vocacionado para as vias aéreas humanas. Altíssimo potencial de contágio.

As potências econômicas mundiais foram as primeiras a vivenciar o desespero de exaurir os sistemas de saúde público e privado. Corpos se acumulando em necrotérios. Em países pobres corpos foram abandonados na via pública.

Em época de comunicação plena e instantânea, notadamente via internet, a morte se desnudou em todo o planeta. 

Mas esse é, efetivamente, o barco em que estamos agora.

Essa é a enorme e destruidora tempestade que estamos enfrentando.

Assusta-me muito perceber que a maioria das pessoas não se dá conta de qual é a realidade objetiva que está, minuto a minuto, sendo esfregada em nossas faces.

Tenho a impressão de que um dia alguém olhará para os registros históricos destes tempos e temerá. Na verdade tremerá. 

Tremerá de medo porque, ao que tudo indica, máxime no Brasil, a COVID-19 vai matar muitos milhões de indivíduos.

O meu "hoje", este instante de escrita, é meados de junho de 2020.

Já passamos de 42.000 mortos desde o início da doença aqui, em janeiro de 2020.

Como será daqui a alguns meses?

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

A Fé e a Sabedoria

A Fé e a Sabedoria

Base: Tiago 1:5-8 - "Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida. Peça-a, porém, com fé, sem duvidar, pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento. Não pense tal pessoa que receberá coisa alguma do Senhor, pois tem mente dividida e é instável em tudo o que faz."

SITUAÇÃO: falta de sabedoria.
CORRIGENDA: pedir sabedoria com fé.
FALHA: pedir sabedoria sem fé.
CAUSA DA FALHA: a falta de fé causa uma mente dividida que é instável em todos os seus processos.

Pois bem.

Se tomarmos a instabilidade da mente ("onda do mar, levada e agitada pelo vento") e a expressa menção ao seu estado de divisão (dúvida),  estabelece-se uma vinculação clara entre o Ensino de Tiago e a tradição antiga, mais ao leste, que situa a mente humana nos limites da dualidade yin-yang, com toda a noticiada impossibilidade de compreender a Unidade.

Isso tudo passando por Hegel e a Dialética em si.

Vale repisar, vincula a instabilidade da mente com falta de fé.

A Fé tem sido compreendida como o antegozo da graça pedida e/ou a prova de algo ainda indemonstrável.

Em última instância (como eu sempre imaginei), não é a lógica que leva às conclusões mais complexas.

Einstein e toda a turma de Copenhagen (Bohr etc) não teriam, propriamente falando, como concluir coisa alguma por demonstração lógico-formal, quer das estranhezas da Relatividade, quer do bizarro microcosmo de ondas e/ou partículas da Mecânica Quântica.

Tiveram que esperar por anos até que o suporte tecnológico permitisse experiências comprobatórias nos laboratórios avançados.

De se ver! Primeiro conceberam, depois comprovaram.

O mais fascinante é que na vida comum do ser humano (será lícito assim deduzir?), na verdade tudo ocorre do mesmo (e único real) modo.

O homem desenvolveu toda uma lógica formal como instrumento norteador de seu pensar.

Comeu do fruto do conhecimento. Um bom nome para a serpente seria "Dúvida", que o apartou da simples postura de "crer".

Todavia, por outro lado, e aí está um aspecto bem significativo, quando se põe em ativa criação mental no livre e sedutor cultivo das Artes, tudo lhe flui sem quaisquer cerimônias quanto a disciplina, método ou preparação... 

Tanto que, como se costuma dizer, um artista que não cria com a magia da Arte não é um artista, conquanto possa tornar-se um crítico. Nada mais amargo...

Paralelamente, um homem dotado de apurada visão lógica nem por isso, talvez, sequer compreenda os postulados das ciências mais elevadas. Também aqui vemos amargor.

A fé se apresenta, então, não mais como uma muleta para os desvalidos de um inextricável destino.

Não.

A fé surge como uma real e efetiva possibilidade de concentração em algo que suplicamos sem nenhuma humilhação: o desejo puro e simples de entender, compreender, de ver (muito mais que enxergar), de ouvir (muito mais que escutar), partindo sempre (e aí, sim, com total humildade) da premissa de que nada sabemos.

Terá sido por isso que o Grande Filósofo nos concedeu a máxima: "só sei que nada sei?" ?

Segundo alertam estudiosos do esoterismo, não devemos conceituar a Criação como um processo de construção de algo, um processo externo em que partes são juntadas ou postas em reação. Uma ideia melhor, ou menos imperfeita, de Criação é a emanação da própria "substância" do Criador. Essa emanação parte do Inefável, Incognoscível, para uma dimensão próxima de Si mesmo, ou, conforme seja de Seu Propósito, para planos existenciais que, de tão diferenciados, chegam à dimensão das formas físicas, da matéria, que subjuga em si a dualidade Espírito / Matéria sob a ação conjugadora da Mente.

Não tem sentido tentar compreender como são as miríades de intérfases ou quantas delas sejam necessárias para que se possam imaginar os eventos sucessivos do fenômeno. Está muito além de nossas cogitações.

E por não ter mesmo sentido algum, no Ensino aberto, já acima referido, de Tiago, é feita a advertência:

"Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida. Peça-a, porém, com fé, sem duvidar, pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, levada e agitada pelo vento. Não pense tal pessoa que receberá coisa alguma do Senhor, pois tem mente dividida e é instável em tudo o que faz."

Aquele que duvida é semelhante à onda do mar. Tem mente dividida.

Percebe?

Um senhor americano (não me recordo o nome) ficou famoso por se apresentar em inúmeros ginásios fazendo arremessos livres à cesta de basquete. Eram centenas e centenas de arremessos sem um erro sequer.

Seu truque? Ele simplesmente afirmava que começava a arremessar e se punha a pensar em outras coisas. Nunca tentei fazer o mesmo, nem pretendo, mas ele fazia isso vez após vez, de cidade em cidade.

Ora, a mente dele, no que concerne à ação de arremessar, não estava dividida... Não sofria o efeito da dúvida: não oscilava.

Ele tinha fé de que acertaria os arremessos.

Ter fé é comungar da ausência de defeitos do Criador. É deixar-se ser Ele próprio. Esquecer o fruto do conhecimento e simplesmente ser... Fazer...

Sendo a Criação uma emanação do Criador, a comunhão perante a criatura só pode ser atrapalhada por um único ser: ela mesma.

Já dissemos que a Arte mundana costuma fluir sem maiores gabaritos formais. Mas tomemos um exemplo de uma Obra Clássica.

Dizem que Mozart compôs uma sinfonia aos nove anos de idade...

Será que Amadeus (nome bem significativo aqui) ficava arquitetando engendramentos harmônicos, após conhecer, dominar e adestrar toda uma imensa lógica formal da erudição musical?

Ou será que, por ser a música uma Arte, fez ele como o Zé das Couves, que compôs um sambinha bonitinho mesmo sem conhecer nem o nome das cordas do cavaquinho?

O nosso querido José, dito das Couves, abstraiu o seu arrogante Ego dominador e deixou que seu Eu Superior, sua Alma, fluísse na suave e serena liberdade de criar uma canção.

Ele não meditou. Ele tomou do cavaquinho e se deixou cantar aquele samba desde sempre conhecido.

Acho que deveríamos, mesmo, ser simples como as crianças...

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Natal 2019


Registra-se a precocidade do despertamento da consciência humana em várias culturas da Antiguidade. 

O fruto proibido da árvore do conhecimento foi comido.
Os sumérios, ecoando com trechos da própria bíblia, apontam o intercurso de mulheres com "anjos", ou "anunnakis"...

Hebreus e chineses mencionam um terço de estrelas do céu caindo com um dragão.
Em muitos povos há o mito solar. O cinturão de Órion aponta Sírius, que por sua vez indica o ponto do horizonte onde o sol nascerá em 25 de dezembro. O Cruzeiro do Sul baila para ascender no terceiro dia.

Assim foi com Jesus, Krishna, Mitra, Hórus e outros. Filhos de uma virgem. 

Enfim...

O ser humano foi desperto precocemente. No império de um precioso e complexo acervo de impulsos instintivos ganhou a noção plena de si mesmo. 

A atenuação progressiva de condutas automatizadas foi truncada pela capacidade de amplo aprendizado e de livre escolha. Passaram a coexistir o ser-animal e o ser-hominal.

Não imagino o que se possa julgar de semelhante evento. Nem me atrevo.

Mas considero lícito especular que os ensinamentos ministrados por tantos mestres em vários lugares e momentos diferentes tem uma mesma razão de ser.

Pregam o Amor.

Dizem, faça ao próximo o que deseja que lhe façam.
Dê a outra face.

Mas... Que tínhamos (temos)?

A história humana, desde os primórdios, nadava (e nada ainda) em sangue... Dominação, violência, busca de todas as formas de prazer.

Nada mais natural para um animal catapultado à condição de senhor de si mesmo.

Como corrigir essa situação?Esse "pecado original"?

Se a consciência contínua do homem veio assim, como que por um estupro, a equivalente (mas ausente) consciência moral teria que vir por exemplos drásticos, traumáticos o suficiente para inocular, mesmo forçosamente, a experiência anímica de padrões emocionais mais sofisticados, como a misericórdia, a tolerância, a resignação, o perdão...

Ponha vários guerreiros sedentos de sangue diante de vítimas ainda crianças, frágeis, desmembradas, violadas, mortas sob horrível agonia e, ao menos alguns deles (com sorte alguns deles!), se verá tomado por um estupro às avessas. 

Sentirá piedade... 

Talvez somente uns poucos de cada vez... Contudo mais e mais com o tempo.

Ergue-se, então, um imenso farol indicativo do "bom caminho" aqui e ali. Um Mestre vem para o reforço dos ensinos da corrigenda.

A história de Jesus transpôs o mito solar para a cultura hebraica e a renovou na cultura romana, congregando o "sol invictus" de Constantino ao ideal superior dos ensinamentos que, dessa forma, ganharam todo um imenso império.

Claro que o homen-animal permaneceu, e permanece, ainda um muitos de nós.
Todavia, gradativamente a atenuação da prevalência instintiva sedimenta no seio das almas humanas os valores diamantinos da Cosmoética.

Permita-se meditar sobre tudo isso durante o NATAL.

Afinal, o cinturão de Órion, Sírius, o Sol e o Cruzeiro do Sul novamente encenam no Teatro da Vida o propósito que nosso interior insistentemente busca.

Bom Natal! Feliz 2020.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Afinal, magia pega ou não?


Como já bastante mencionado aqui e alhures, tudo é pensamento... Uma barra de ferro, por mais efetivamente presente e, por assim dizer, existente que seja é menos real do que um pensamento. Isso só parece estranho para os que ainda não se tenham permitido viajar nas cogitações que a busca pela essência da realidade imediata enseja.

Enfim, terminamos nos dando conta de que tudo aquilo que aprendemos a chamar de “abstrato” é que, na verdade, constitui a única coisa de concreto que existe.

Bem por isso desenvolvemos grandes ressalvas para todas as formas de ritual que existem, afinal só o que vale mesmo é o pensamento. Claro que o simbolismo é relevante aos seres humanos. Uma imagem, uma palavra, um desenho podem despertar todo um contexto mental que leva o ser a se concentrar em determinados pensamentos. Eis aí a essência da eficácia dos rituais. Mas nada além disso. E há os rituais que dispensamos por considerá-los pueris, ao mesmo tempo em que ainda nos prendemos a outros tantos, muitas vezes sem nem percebermos.

Uma simples prece... Tantos existem que dobram os joelhos, já um ritual, e repetem fórmulas decoradas seguidamente. Dentre esses há os que atingem um estado mental suficiente para obter os efeitos da concentração do pensamento; para outros, nem tanto. Alguns surpreendem-se pelos efeitos da prece assim dirigida, enquanto outros frustram-se na sensação de que, afinal, ninguém estava ouvindo coisa alguma.

Quem está certo e quem está errado? Depende... Depende de estar-se sob o arranjo certo para cada qual. Há os que dependem mais e menos dos rituais estabelecidos.

O fato é que para todos os que fazem de uma ou de outra forma e atingem o fim, o meio estará sendo útil e eficaz. Para todos os que não se atêm a uma forma de agir, proceder, falar, agir, vinculando à finalidade de atingir um estado de maior densidade do pensamento, coisa alguma estará sendo feita que valha realmente a pena.

Miríades de escolas iniciáticas lançam seus seguidores a variadíssimos meios de concentrar o pensamento, cada qual de acordo com os princípios formais que elege como legítimos a tal finalidade. Se o sujeito der a sorte de acertar uma escola que bem se encaixe em seu mundo interior, estará bem servido e obterá bons resultados. Caso contrário, acumulará outra frustração.

Claro que o indivíduo pode, e deve, buscar o seu próprio caminho, sua própria maneira de orar, de meditar, de elevar seu pensamento, enfim, de proceder para obter estados alterados da consciência que lhe permitam ampliar suas capacidades cognitivas e perceptivas.

Sei de pessoas que se empenham sinceramente em adequar-se a preceitos religiosos. O problema é que não lhe são eficazes. Outros tantos corroem-se de uma pretensa e estranha “culpa” por não estarem obtendo os resultados gloriosos que tal ou qual religião prometem aos seus profitentes.

Tudo se complica ao extremo quando a pessoa, ainda não situada plenamente no equilíbrio que seus foros interiores de verdade ressoam, se vê colocada na alça de mira de outros que lhe destinam pensamentos intensos de mágoa, ódio, ou qualquer forma de vibração trevosa. Tenham esses realizado ou não rituais da chamada “magia negra”, o fato de emitirem pensamentos de ódio ou mágoa em direção à pessoa faz com que cada brecha, cada fenda de sua personalidade permita a ressonância desses padrões de vibração destrutiva. Então acontece o temível efeito. A “magia pega”.

Não é propriamente uma questão de fé religiosa ou sua ausência. É a circunstância de estar ou não o indivíduo objeto do ódio em estado de equilíbrio espiritual. Com acerto muitos acenam com uma certa “imunidade” de certos ateus. Não, não se trata de uma postura “melhor” que as outras. Ocorre que há alguns ateus que assumem condutas humanistas por mera convicção interior, sem nenhum senso de cumprimento cármico, tão somente por acharem ser o certo a se fazer. Ora, para esses, do alto de suas convicções firmes e coesas com a cosmoética que nos norteia a evolução, praticamente não há brechas ou fendas de caráter para a ressonância de pensamentos negativos que lhe sejam dirigidos.

Se o sujeito ostenta pensamentos negativos, pouco importa ser ateu ou crente... Os pensamentos negativos o colocarão vulnerável igualmente.

Infelizmente a maioria, sejam ateus ou crentes, pouco importa, não detém padrão espiritual equilibrado suficiente a evitar que pensamentos negativos ressoem em seu interior. Não são poucos, aliás, os crentes que se torturam em reiterados rituais religiosos de manutenção do pensamento mais elevado que possam. Lançam-se em reuniões diárias em que se põem em estado de êxtase coletivo para que se mantenham sob a “proteção de Deus”.

Sim, tais posturas costumam ter efeitos positivos. No entanto, nada difícil que o indivíduo termine, aqui ou acolá, sendo vencido pelo estresse dessa luta constante. São as provas de recaída de que tanto nos falam as religiões ocidentais.

Então, o que se tem é que o ser humano em geral não está imune a ver-se vencido por pensamentos negativos que lhe sejam dirigidos.

Até mesmo os mais religiosos eventualmente podem entrar em falência. De repente o pensamento negativo os atinge e, assim como que por autêntica magia, desabrocham-se-lhes estados de alma ruins, desanimadores, viciantes, que o levam a mudanças de conduta bem como a sofrer mais e mais influências negativas numa escala progressivamente maior.

Eis que, então, a “magia pega”... O ser passa a claudicar e, se não vier a ser despertado para esses estado de coisas, irá cair integralmente.

Sim, magia pega. Pode pegar qualquer um.

Renove-se a antiga recomendação: ORAI e VIGIAI.


quarta-feira, 12 de setembro de 2018

INSTINTOS

Na literatura clássica do Espiritismo há uma asserção que, na maioria das vezes, passa sem maior atenção. Inclusive, já foi aqui abordada em meio a um texto genérico sobre as obras da Codificação:

A comunhão essencial entre instinto e inteligência é um ensinamento expresso dos Espíritos. Tanto assim que não há uma linha clara de delimitação entre instinto e inteligência.

74. Pode estabelecer-se uma linha de separação entre o instinto e a inteligência, isto é, precisar onde um acaba e começa a outra?
Não, porque muitas vezes se confundem. Mas, muito bem se podem distinguir os atos que decorrem do instinto dos que são da inteligência.”

75. É acertado dizer-se que as faculdades instintivas diminuem à medida que crescem as intelectuais?
Não; o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

O ser humano comunga da formação do veículo físico orgânico, como visto, tanto quanto do desenvolvimento de sua consciência, adquirindo sua bagagem de instintos assim como a noção de sua individualidade, aperfeiçoando-se na aquisição da inteligência conforme novos horizontes se abrem degrau a degrau na escala evolutiva.

Pois bem.

Estamos abordando novamente a questão da Inteligência e do Instinto. De se ver que a resposta pelos Espíritos da Codificação não dá margem a dúvidas maiores, notadamente na questão nº 75 acima transcrita.

O Instinto NÃO é uma forma primitiva de inteligência, algo germinativo que aflora como Inteligência conforme o ser evolui. O Instinto não é uma forma primeva de inteligência, tampouco deixa de existir à medida que a Inteligência progride e dá ensejo à Razão.

Equivale a afirmar, atualizando só em mínima parte a terminologia usada, que o acervo de impulsos do homem é uma bagagem de conquista evolutiva que permanece e (nada impede assim considerar) também se submete à Lei do Progresso, nada existindo que nos indique estar no ápice de seu burilamento.

É o Instinto que faz o ser vivo assumir determinados comportamentos para fazer frente a necessidades imperativas, ou mesmo para evitar perigos. Ninguém desconhece que os sertanistas ficavam (e ficam) preocupados quando percebem que os animais de uma dada área geográfica se põem em retirada. 

Estamos tratando de Esoterismo. Então vamos desbordar do que a ciência ortodoxa se impõe como limite.

Tanto no Espiritismo como nas demais escolas de pensamento espiritualista há a figura do Espírito-grupo. Consciências que se dedicam ao controle e coordenação de seres já suficientemente avançados mas ainda não dotados de todos os requisitos para abrigar uma mente consciente, um foco de inteligência, uma interface egóica para se autoconduzir na senda do aperfeiçoamento.

Não sei bem o porquê mas há muitos que não se afeiçoam a esse tópico dos estudos. Isso certamente colabora para a pequena quantidade de informações que já foram colhidas.

Mais do que tudo, os Espíritos-grupo parecem mesmo visceralmente ligados à consideração dos instintos que fazem metazoários agir.

Aliás, muito mais do que isso.

Sim, desde seres unicelulares e vegetais há todo um concerto de atividades que fazem cada manifestação da Vida, ainda que sem quaisquer eivos de consciência, assumirem esse ou aquele comportamento.

Não precisamos repisar várias considerações já feitas sobre isso.


http://esoestudos.blogspot.com/2010/05/o-que-e-vida.html 

O que mais interessa agora é considerar essa informação em particular:


75. É acertado dizer-se que as faculdades instintivas diminuem à medida que crescem as intelectuais?
Não; o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

"O Instinto existe sempre"

Essa resposta foi dada à pergunta que perquiriu sobre a eventual diminuição dos Instintos à proporção de aumento da Inteligência. "Sempre" aqui é um termo muito significativo. O Instinto é a sustentação de todos os fenômenos da Vida no seu sentido mais amplo possível. Desde a gemação de minerais, passando pelos unicelulares procariontes, vemos efetivos processos com começo, meio e fim. Até mesmo no seio mais restritivo da Doutrina Espírita fundada exclusivamente na obra básica (O Livro dos Espíritos), vemos referência explícita aos elementares. Não é exatamente o mesmo conceito de elementais (encontradiço em várias outras correntes espiritualistas), não acolhido pela Doutrina em sua pureza:


538. Os Espíritos que presidem aos fenômenos da Natureza formam uma categoria especial no mundo espírita, são seres à parte ou Espíritos que foram encarnados, como nós?
– Que o serão, ou que o foram.
538-a. Esses Espíritos pertencem às ordens superiores ou inferiores da hierarquia espírita?
– Segundo o seu papel mais ou menos material ou inteligente: uns mandam. outros executam; os que executam as ações materiais são sempre de uma ordem inferior, entre os Espíritos como entre os homens.
539. Na produção de certos fenômenos, das tempestades, por exemplo, é somente um Espírito que age ou se reúnem em massa?
– Em massas inumeráveis.
540. Os Espíritos que agem sobre os fenômenos da Natureza agem com conhecimento de causa, em virtude de seu livre arbítrio, ou por um impulso instintivo e irrefletido?
– Uns, sim; outros, não. Faço uma comparação: figurai essas miríades de animais que pouco a pouco fazem surgir do mar as ilhas e os arquipélagos; acreditais que não há nisso um objetivo providencial, e que essa transformação da face do globo não seja necessária para a harmonia geral? São, entretanto, animais do último grau os que realizam essas coisas, enquanto vão provendo às suas necessidades e sem se perceberem que são instrumentos de Deus. Pois bem: da mesma maneira, os Espíritos mais atrasados são úteis ao conjunto; enquanto eles ensaiam para a vida, e antes de terem plena consciência de seus atos e de seu livre arbítrio, agem sobre certos fenômenos de que são agentes sem o saberem. Primeiro, executam; mais tarde, quando sua inteligência estiver mais desenvolvida, comandarão e dirigirão as coisas do mundo material; mais tarde ainda, poderão dirigir as coisas do mundo moral. E assim que tudo serve, tudo se encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, pois ele mesmo começou pelo átomo. Admirável lei de harmonia, de que o vosso Espírito limitado ainda não pode abranger o conjunto!
Vejam a resposta dada:  são animais do último grau os que realizam essas coisas, referindo-se ao surgimento de ilhas e arquipélagos, no concerto de fenômenos da natureza em geral. E continua: da mesma maneira os Espíritos mais atrasados são úteis ao conjunto [...] antes de terem plena consciência de seus atos e de seu livre arbítrio, agem sobre certos fenômenos de que são agentes sem o saberem.

Tanto animais como Espíritos elementares agem como executores de ações que impulsionam fenômenos naturais, uns mais diretamente sobre a matéria propriamente dita, outros sobre elementos pertinentes à sua esfera de atuação, semimaterial, etérea, astral - dê-se o nome que quiser.


A resposta à pergunta 539 é categórica:  na produção  de tempestades há massas inumeráveis de Espíritos atuando. Conjugando com a resposta dada à questão 538-a, vemos que há os que mandam e os que executam.

O Instinto sempre presente, pois, pode ser entendido como esse enredamento de Espíritos mais avançados em relação aos menos evoluídos. Os Espíritos elementares, tomados como mero exemplo, não têm noção de que estão sob a ação de um pensamento diretor que lhes é transcendente:  oriundo dos Espíritos que os dirigem.

Da mesma forma, os animais superiores, como os caninos, felinos, bovinos etc, mesmo sendo já dotados de uma maior capacidade intelectiva, continuam sob um comportamento fortemente dirigido por seu acervo de impulsos, vale dizer, de instintos inatos.

Ora, se no homem o Instinto não só permanece como é reputado como uma forma de inteligência que desprezamos mas que  "... quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurançado que a razão", então não é contraditóra a ilação de que talvez nós mesmos, seres humanos, Espíritos humanizados, estejamos submetidos a um Espírito-grupo que nos destina seus comandos gerais de condução.

Seria por isso que algumas correntes espiritualistas nos falam de "deuses de raça"? Toda uma humanidade em progresso em um orbe não poderia, de fato, estar sob a direção de um Espírito-grupo suficientemente elevado para nos coordenar a todos?

https://esoestudos.blogspot.com/2012/01/bem-e-mal-ainda-mais-uma-vez.html?m=0