Eso-Espiritismo



1. Que é Deus?
“Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”
(O Livro dos Espíritos)

Deus é conceituado como a inteligência suprema, completando-se com a noção de causa primária de todas as coisas. Assim, Deus é a causa inteligente cujo efeito é o todo universal.


Deus é a causa inteligente de tudo, na linguagem tradicional é o Verbo, porquanto o Verbo é a vontade de Deus manifesta.

4. Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?
“Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá.”

5. Que dedução se pode tirar do sentimento instintivo, que todos os homens trazem em si, da existência de Deus?
“A de que Deus existe; pois, donde lhes viria esse sentimento, se não tivesse uma base? É ainda uma conseqüência do princípio - não há efeito sem causa.”
(O Livro dos Espíritos)

O homem jamais pôde ver o átomo, mas definiu modelos de interpretação dos fenômenos com base no que podia observar. Agindo assim já conseguiu descobrir muitas leis físicas do Universo, comprovando-as em experimentos posteriormente. Menos ainda pode o homem vislumbrar acerca de Deus. No entanto, observando e aprendendo acerca de tudo o que está à sua volta o homem se conscientiza da existência de uma causa inteligente suprema e norteadora do todo universal. As coisas acontecem sob padrões fenomênicos que a mera casualidade não convence ao mais incrédulo, no reduto do seu íntimo. Mesmo os mais simples habitantes deste planeta desde as eras remotas guardam em sua consciência a noção viva de que existe Deus, com foros de verdade que, em sua simplicidade, não puderam definir.


8. Que se deve pensar da opinião dos que atribuem a formação primária a uma combinação fortuita da matéria, ou, por outra, ao acaso?
“Outro absurdo! Que homem de bom-senso pode considerar o acaso um ser inteligente? E, demais, que é o acaso? Nada.”
(O Livro dos Espíritos)

O mero acaso não poderia ser a causa de efeitos tão complexos como, por exemplo, a formação da vida orgânica deste planeta. Na escala do ano geológico, o homem é uma forma de vida surgida no último dia, sem embargo de ser o mais complexo habitante deste orbe. Miríades de outros exemplos poderiam ser alinhavados.


Kardec aponta os atributos da Divindade.


Em O Livro dos Espíritos (pág. 55):

·        Eterno – Deus é eterno. Se tivesse tido princípio, teria saído do nada, ou, então, também teria sido criado, por um ser anterior. É assim que, de degrau em degrau, remontamos ao infinito e à eternidade.
·        Imutável – É imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o Universo nenhuma estabilidade teriam.
·        Imaterial – É imaterial. Quer isto dizer que a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, ele não seria imutável, porque estaria sujeito às transformações da matéria.
·        Único – É único. Se muitos Deuses houvesse, não haveria unidade de vistas, nem unidade de poder na ordenação do Universo.
·        Onipotente – É onipotente. Ele o é, porque é único. Se não dispusesse do soberano poder, algo haveria mais poderoso ou tão poderoso quanto ele, que então não teria feito todas as coisas. As que não houvesse feito seriam obra de outro Deus.
·        Justo e Bom – É soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela, assim nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, e essa sabedoria não permite se duvide nem da justiça nem da bondade de Deus.


Em A Gênese (pág. 56 e segs):

·        Deus é a suprema e soberana inteligência. É limitada a inteligência do homem, pois que não pode fazer, nem compreender tudo o que existe. A de Deus abrangendo o infinito, tem que ser infinita. Se a supuséssemos limitada num ponto qualquer, poderíamos conceber outro ser mais inteligente, capaz de compreender e fazer o que o primeiro não faria e assim por diante, até ao infinito.
·        Deus é eterno, isto é, não teve começo e não terá fim. Se tivesse tido princípio, houvera saído do nada. Ora, não sendo o nada coisa alguma, coisa nenhuma pode produzir. Ou, então, teria sido criado por outro ser anterior e, nesse caso, este ser é que seria Deus. Se lhe supuséssemos um começo ou fim, poderíamos conceber uma entidade existente antes dele e capaz de lhe sobreviver, e assim por diante, ao infinito.
·        Deus é imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o Universo.
·        Deus é imaterial, isto é, a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, não seria imutável, pois estaria sujeito ás transformações da matéria. Deus carece de forma apreciável pelos nossos sentidos, sem o que seria matéria. Dizemos: a mão de Deus, o olho de Deus, a boca de Deus, porque o homem, nada mais conhecendo além de si mesmo, toma a si próprio por termo de comparação para tudo o que não compreende. São ridículas essas imagens em que Deus é representado pela figura de um ancião de longas barbas e envolto num manto. Têm o inconveniente de rebaixar o Ente supremo até às mesquinhas proporções da Humanidade. Daí a lhe emprestarem as paixões humanas e a fazerem-no um Deus colérico e cioso não vai mais que um passo.
·        Deus é onipotente. Se não possuísse o poder supremo, sempre se poderia conceber uma entidade mais poderosa e assim por diante, até chegar-se ao ser cuja potencialidade nenhum outro ultrapassasse. Esse então é que seria Deus.
·        Deus é soberanamente justo e bom. A providencial sabedoria das leis divinas se revela nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, não permitindo essa sabedoria que se duvide da sua justiça, nem da sua bondade. O fato do ser infinita uma qualidade, exclui a possibilidade de uma qualidade contrária, porque esta a apoucaria ou anularia. Um ser infinitamente bom não poderia conter a mais insignificante parcela de malignidade, nem o ser infinitamente mau conter a mais insignificante parcela de bondade, do mesmo modo que um objeto não pode ser de um negro absoluto, com a mais ligeira nuança de branco, nem de um branco absoluto com a mais pequenina mancha preta. Deus, pois, não poderia ser simultaneamente bom e mau, porque então, não possuindo qualquer dessas duas qualidades no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam sujeitas ao seu capricho e para nenhuma haveria estabilidade. Não poderia ele, por conseguinte, deixar de ser ou infinitamente bom ou infinitamente mau. Ora, como suas obras dão testemunho da sua sabedoria, da sua bondade e da sua solicitude, concluir-se-á que, não podendo ser ao mesmo tempo bom e mau sem deixar de ser Deus, ele necessariamente tem de ser infinitamente bom. A soberana bondade implica a soberana justiça, porquanto, se ele procedesse injustamente ou com parcialidade numa só circunstância que fosse, ou com relação a uma só de suas criaturas, já não seria soberanamente justo e, em consequência, já não seria soberanamente bom.
·        Deus é infinitamente perfeito. É impossível conceber-se Deus sem o infinito das perfeições, sem o que não seria Deus, pois sempre se poderia conceber um ser que possuísse o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa ultrapassá-lo, faz-se mister que ele seja infinito em tudo. Sendo infinitos, os atributos de Deus não são suscetíveis nem de aumento, nem de diminuição, visto que do contrário não seriam infinitos e Deus não seria perfeito. Se lhe tirassem a qualquer dos atributos a mais mínima parcela, já não haveria Deus, pois que poderia existir um ser mais perfeito.
·        Deus é único. A unicidade de Deus é consequência do fato de serem infinitas as suas perfeições. Não poderia existir outro Deus, salvo sob a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas, visto que, se houvesse entre eles a mais ligeira diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao poder desse outro e, então, não seria Deus. Se houvesse entre ambos igualdade absoluta, isso eqüivaleria a existir, de toda eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder. Confundidos assim, quanto à identidade, não haveria, em realidade, mais que um único Deus. Se cada um tivesse atribuições especiais, um não faria o que o outro fizesse; mas, então, não existiria igualdade perfeita entre eles, pois que nenhum possuiria a autoridade soberana.



A matéria é apresentada como o instrumento do Espírito, sobre o qual exerce a sua ação. Mas esse conceito se estende não apenas à matéria do plano físico como também no estado etéreo, sutil, imperceptível para o homem comum. É lícito deduzir, então, que o Espírito é imaterial na essência, utilizando-se de instrumentos materiais desde a matéria física até substâncias etéreas e sutis não perceptíveis ao homem, mas ainda assim matéria.

22. Define-se geralmente a matéria como sendo - o que tem extensão, o que é capaz de nos impressionar os sentidos, o que é impenetrável. São exatas estas definições?
“Do vosso ponto de vista, elas o são, porque não falais senão do que conheceis. Mas a matéria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil que nenhuma impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é sempre matéria. Para vós, porém, não o seria.”

a) - Que definição podeis dar da matéria?
“A matéria é o laço que prende o Espírito; é o instrumento de que este se serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce sua ação.”
(O Livro dos Espíritos)


Em contraposição, o Espírito é apresentado como o princípio inteligente do Universo, o que evidencia estar sendo referida a essência do Espírito.

23. Que é o Espírito?
“O princípio inteligente do Universo.”

a) - Qual a natureza íntima do Espírito?
“Não é fácil analisar o Espírito com a vossa linguagem. Para vós, ele nada é, por não ser palpável. Para nós, entretanto, é alguma coisa. Ficai sabendo: coisa nenhuma é o nada e o nada não existe.”
(O Livro dos Espíritos)


Existem, assim, três elementos gerais do universo: Deus, Espírito e matéria. Em O Livro dos Espíritos esses três elementos são designados a trindade universal. Fica esclarecido, também, que a ação do Espírito sobre a matéria depende de um elemento também material, porém sutil, etéreo, que lhes serve de liame: o fluido universal (também designado como fluido elementar ou fluido primitivo) Esse fluido universal é o agente de que o Espírito diretamente se utiliza. Importante destacar que o fluido universal é indicado como necessário para que a matéria física não se desagregue, ou seja, é um elemento intrínseco à matéria física organizada conquanto seja sutil, etéreo.

27. Há então dois elementos gerais do Universo: a matéria e o Espírito?
“Sim e acima de tudo Deus, o criador, o pai de todas as coisas. Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal. Mas ao elemento material se tem que juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o Espírito e a matéria propriamente dita, por demais grosseira para que o Espírito possa exercer ação sobre ela. Embora, de certo ponto de vista, seja lícito classificá-lo com o elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se o fluido universal fosse positivamente matéria, razão não haveria para que também o Espírito não o fosse. Está colocado entre o Espírito e a matéria; é fluido, como a matéria, e suscetível, pelas suas inumeráveis combinações com esta e sob a ação do Espírito, de produzir a infinita variedade das coisas de que apenas conheceis uma parte mínima. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que o Espírito se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá.”
(O Livro dos Espíritos)


O fluido universal é o elemento primordial de toda a matéria, não sendo senão por modificações suas que os vários outros tipos de substâncias se formam. Kardec comenta que os elementos químicos conhecidos são modificações de uma substância primitiva.

33. A mesma matéria elementar é suscetível de experimentar todas as modificações e de adquirir todas as propriedades?
“Sim e é isso o que se deve entender, quando dizemos que tudo está em tudo!”

O oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o carbono e todos os corpos que consideramos simples são meras modificações de uma substância primitiva. Na impossibilidade em que ainda nos achamos de remontar, a não ser pelo pensamento, a esta matéria primária, esses corpos são para nós verdadeiros elementos e podemos, sem maiores conseqüências, tê-los como tais, até nova ordem.
(O Livro dos Espíritos)

Esse fluido universal é o elemento em que várias forças na natureza atuam, como a gravidade, coesão, atração, magnetismo etc.

Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos. Esse fluido é o éter ou matéria cósmica primitiva, geradora do mundo e dos seres. São-lhe inerentes as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis imutáveis e necessárias que regem o mundo. Essas múltiplas forças, indefinidamente variadas segundo as combinações da matéria, localizadas segundo as massas, diversificadas em seus modos de ação, segundo as circunstâncias e os meios, são conhecidas na Terra sob os nomes de gravidade, coesão, afinidade, atração, magnetismo, eletricidade ativa. Os movimentos vibratórios do agente são conhecidos sob os nomes de som, calor, luz, etc. Em outros mundos, elas se apresentam sob outros aspectos, revelam outros caracteres desconhecidos na Terra e, na imensa amplidão dos céus, forças em número indefinito se têm desenvolvido numa escala inimaginável, cuja grandeza tão incapazes somos de avaliar, como o é o crustáceo, no fundo do oceano, para apreender a universalidade dos fenômenos terrestres.
(A Gênese – pág. 111)


O espaço é, por definição, infinito. Não pode ser abarcado pela razão humana um ponto além do qual não mais haveria espaço a ser percorrido. De qualquer forma, é reiterada a idéia de que não há vácuo absoluto. Há uma substância etérea que a tudo permeia.

35. O Espaço universal é infinito ou limitado?
“Infinito. Supõe-no limitado: que haverá para lá de seus limites? Isto te confunde a razão, bem o sei; no entanto, a razão te diz que não pode ser de outro modo. O mesmo se dá com o infinito em todas as coisas. Não é na pequenina esfera em que vos achais que podereis compreendê-lo.”

Supondo-se um limite ao Espaço, por mais distante que a imaginação o coloque, a razão diz que além desse limite alguma coisa há e assim, gradativamente, até ao infinito, porquanto, embora essa alguma coisa fosse o vazio absoluto, ainda seria Espaço.

36. O vácuo absoluto existe em alguma parte no Espaço universal?
“Não, não há o vácuo. O que te parece vazio está ocupado por matéria que te escapa aos sentidos e aos instrumentos.”
(O Livro dos Espíritos)

Espaço é uma dessas palavras que exprimem uma idéia primitiva e axiomática, de si mesma evidente, e a cujo respeito as diversas definições que se possam dar nada mais fazem do que obscurecê-la. Todos sabemos o que é o espaço e eu apenas quero firmar que ele é infinito, a fim de que os nossos estudos ulteriores não encontrem uma barreira opondo-se às investigações do nosso olhar.
Ora, digo que o espaço é infinito, pela razão de ser impossível imaginarse-lhe um limite qualquer. e porque, apesar da dificuldade com que topamos para conceber o infinito, mais fácil nos é avançar eternamente pelo espaço, em pensamento, do que parar num ponto qualquer, depois do qual não mais encontrássemos extensão a percorrer.
(A Gênese – pág. 104)



38. Como criou Deus o Universo?
“Para me servir de uma expressão corrente, direi: pela sua Vontade. Nada caracteriza melhor essa vontade onipotente do que estas belas palavras da Gênese - “Deus disse: Faça-se a luz e a luz foi feita.”
(O Livro dos Espíritos)

Da mesma forma, os Espíritos ensinam acerca da transitoriedade do que é criado.

41. Pode um mundo completamente formado desaparecer e disseminar-se de novo no Espaço a matéria que o compõe?
“Sim, Deus renova os mundos, como renova os seres vivos.”
(O Livro dos Espíritos)


Por outro lado, Kardec menciona a eternidade do Universo.

Se bem compreendemos a relação, ou, antes, a oposição entre a eternidade e o tempo, se nos familiarizamos com a idéia de que o tempo não é mais do que uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias, ao passo que a eternidade é essencialmente una, imóvel e permanente, insuscetível de qualquer medida, do ponto de vista da duração, compreenderemos que para ela não há começo, nem fim.
Doutro lado, se fazemos idéia exata - embora, necessariamente, muito fraca - da infinidade do poder divino, compreenderemos como é possível que o Universo haja existido sempre e sempre exista. Desde que Deus existiu, suas perfeições eternas falaram. Antes que houvessem nascido os tempos, a eternidade incomensurável recebeu a palavra divina e fecundou o espaço, eterno quanto ela.
(A Gênese – pág. 113) (Grifei)

Portanto, segundo a Doutrina Espírita o Universo é eterno enquanto objeto do Verbo Divino. Sem embargo, Kardec expressa uma idéia também presente em outras correntes espiritualistas: o repouso absoluto antes da primeira criação.

Existindo, por sua natureza, desde toda a eternidade, Deus criou desde toda eternidade e não poderia ser de outro modo, visto que, por mais longínqua que seja a época a que recuemos, pela imaginação, os supostos limites da criação, haverá sempre, além desse limite, uma eternidade – ponderai bem esta idéia -, uma eternidade durante a qual as divinas hipóstases, as volições infinitas teriam permanecido sepultadas em muda letargia inativa e infecunda, uma eternidade de morte aparente para o Pai eterno que dá vida aos seres; de mutismo indiferente para o Verbo que os governa; de esterilidade fria e egoísta para o Espírito de amor e vivificação.
(A Gênese – pág. 113) (Grifei)


Essa idéia de repouso absoluto anterior à primeira criação não contradiz a perenidade do Universo na medida em que o repouso absoluto é do Verbo, ao qual se põe o espaço no aguardo da vivificação.

Compreendamos melhor a grandeza da ação divina e a sua perpetuidade sob a mão do Ser absoluto! Deus é o Sol dos seres, é a Luz do mundo. Ora, a aparição do Sol dá nascimento instantâneo a ondas de luz que se vão espalhando por todos os lados, na extensão. Do mesmo modo, o Universo, nascido do Eterno, remonta aos períodos inimagináveis do infinito de duração, ao Fiat lux! do início.
(A Gênese – pág. 113) (Grifei)

Novamente a idéia do fluido cósmico universal é apontada como o elemento que se difunde no todo universal.

A matéria cósmica primitiva continha os elementos materiais, fluídicos e vitais de todos os universos que estadeiam suas magnificências diante da eternidade. Ela é a mãe fecunda de todas as coisas, a primeira avó e, sobretudo, a eterna geratriz. Absolutamente não desapareceu essa substância donde provêm as esferas siderais; não morreu essa potência, pois que ainda, incessantemente, dá à luz novas criações e incessantemente recebe, reconstituídos, os princípios dos mundos que se apagam do livro eterno.
A substância etérea, mais ou menos rarefeita, que se difunde pelos espaços interplanetários; esse fluido cósmico que enche o mundo, mais ou menos rarefeito, nas regiões imensas, opulentas de aglomerações de estrelas; mais ou menos condensado onde o céu astral ainda não brilha; mais ou menos modificado por diversas combinações, de acordo com as localidades da extensão, nada mais é do que a substância primitiva onde residem as forças universais, donde a Natureza há tirado todas as coisas.
(A Gênese – págs. 115/116) (Grifei)


Tema intimamente relacionado é a Providência Divina. Kardec preocupou-se em abordá-la diretamente em A Gênese:

A providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas. Ele está em toda parte, tudo vê, a tudo preside, mesmo às coisas mais mínimas. É nisto que consiste a ação providencial.
(A Gênese – pág. 60)

O mecanismo dessa providência é esboçado sob a ressalva de ser uma imagem imperfeita. Kardec fala de um fluido suficientemente sutil para tudo interpenetrar. Tal fluido, como ocorre com o fluido do perispírito, não é a sede da inteligência mas é o veículo da inteligência que a ele se vincula. Kardec não tem certeza de que assim ocorra com o pensamento do Criador, mas aponta nesse modelo a onipresença e onisciência que permitem sua pronta atuação em tudo o que existe, como no conceito da Providência Divina. Adiante o trecho:

Seja ou não assim no que concerne ao pensamento de Deus, isto é, quer o pensamento de Deus atue diretamente, quer por intermédio de um fluido, para facilitarmos a compreensão à nossa inteligência, figuremo-lo sob a forma concreta de um fluido inteligente que enche o universo infinito e penetra todas as partes da criação: a Natureza inteira mergulhada no fluido divino. Ora, em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza e têm as mesmas propriedades que ele, cada átomo desse fluido, se assim nos podemos exprimir, possuindo o pensamento, isto é, os atributos essenciais da Divindade e estando o mesmo fluido em toda parte, tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude. Nenhum ser haverá, por mais ínfimo que o suponhamos, que não esteja saturado dele. Achamo-nos então, constantemente, em presença da Divindade; nenhuma das nossas ações lhe podemos subtrair ao olhar; o nosso pensamento está em contacto ininterrupto com o seu pensamento, havendo, pois, razão para dizer-se que Deus vê os mais profundos refolhos do nosso coração. Estamos nele, como ele está em nós, segundo a palavra do Cristo.
(A Gênese – pág. 62)

Os acontecimentos que envolvem interesses gerais da Humanidade têm a regulá-los a Providência. Quando uma coisa está nos desígnios de Deus, ela se cumpre a despeito de tudo, ou por um meio, ou por outro.
(A Gênese – pág. 364)


O Panteísmo é afastado em O Livro dos Espíritos. As orientações constantes da obra são enfáticas em apontar a existência de Deus independentemente de toda a sua criação. Não se confundem, pois, Criador e Criação. Mas é também destacado que o homem não pode ainda compreender certos aspectos de Deus, até mesmo com uma advertência da falta de propósito em perder-se nas labirínticas cogitações desse tema.

14. Deus é um ser distinto, ou será, como opinam alguns, a resultante de todas as forças e de todas as inteligências do Universo reunidas?
“Se fosse assim, Deus não existiria, porquanto seria efeito e não causa. Ele não pode ser ao mesmo tempo uma e outra coisa.
“Deus existe; disso não podeis duvidar e é o essencial. Crede-me, não vades além. Não vos percais num labirinto donde não lograríeis sair. Isso não vos tornaria melhores, antes um pouco mais orgulhosos, pois que acreditaríeis saber, quando na realidade nada saberíeis. Deixai, consequentemente, de lado todos esses sistemas; tendes bastantes coisas que vos tocam mais de perto, a começar por vós mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições, a fim de vos libertardes delas, o que será mais útil do que pretenderdes penetrar no que é impenetrável.”
(O Livro dos Espíritos)


Tanto quanto a ciência, em O Livro dos Espíritos vemos alusão à existência no planeta dos elementos fundamentais à formação da matéria viva.

43. Quando começou a Terra a ser povoada?
“No começo tudo era caos; os elementos estavam em confusão. Pouco a pouco cada coisa tomou o seu lugar. Apareceram então os seres vivos apropriados ao estado do globo.”

44. Donde vieram para a Terra os seres vivos?
“A Terra lhes continha os germens, que aguardavam momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos se congregaram, desde que cessou a atuação da força que os mantinha afastados, e formaram os germens de todos os seres vivos. Estes germens permaneceram em estado latente de inércia, como a crisálida e as sementes das plantas, até o momento propício ao surto de cada espécie. Os seres de cada uma destas se reuniram, então, e se multiplicaram.”
(O Livro dos Espíritos)

Esses elementos fundamentais são, na essência, preexistentes ao próprio orbe, originando-se de elementos fluídicos.

45. Onde estavam os elementos orgânicos, antes da formação da Terra?
“Achavam-se, por assim dizer, em estado de fluido no Espaço, no meio dos Espíritos, ou em outros planetas, à espera da criação da Terra para começarem existência nova em novo globo.”
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

O organismo humano, da mesma forma, tem sua origem nesses mesmos elementos fundamentais, não diferindo ontologicamente da vida em geral formada neste planeta.

47. A espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos contidos no globo terrestre?
“Sim, e veio a seu tempo. Foi o que deu lugar a que se dissesse que o homem se formou do limo da terra.”
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Essa comunhão acha-se expressa de modo indubitável.

49. Se o gérmen da espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos do globo, por que não se formam espontaneamente homens, como na origem dos tempos?
“O princípio das coisas está nos segredos de Deus. Entretanto, pode dizer-se que os homens, uma vez espalhados pela Terra, absorvem em si mesmos os elementos necessários à sua própria formação, para os transmitir segundo as leis da reprodução. O mesmo se deu com as diferentes espécies de seres vivos.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Ainda mais relevante, o ensino de Kardec a respeito da formação da vida orgânica informa que a mesma lei que preside os fenômenos de cristalização do mineral conduz à formação dos corpos orgânicos, nos limites da matéria física.

Na formação dos corpos sólidos, um dos mais notáveis fenômenos é o da cristalização, que consiste na forma regular que assumem certas substâncias, ao passarem do estado líquido, ou gasoso, ao estado sólido. Essa forma, que varia de acordo com a natureza da substância, é geralmente a de sólidos geométricos, tais como o prisma, o rombóide, o cubo, a pirâmide. Toda gente conhece os cristais de açúcar cândi; os cristais de rocha, ou sílica cristalizada, são prismas de seis faces que terminam em pirâmide igualmente hexagonal. O diamante é carbono puro, ou carvão cristalizado. Os desenhos que no inverno se produzem sobre as vidraças são devidos à cristalização do vapor dágua durante a congelação, sob a forma de agulhas prismáticas.
A disposição regular dos cristais corresponde à forma particular das moléculas de cada corpo. Essas partículas, para nós infinitamente pequenas, mas que não deixam por isso de ocupar um certo espaço, solicitadas umas para as outras pela atração molecular, se arrumam e justapõem segundo o exigem suas formas, de maneira a tomar cada uma o seu lugar em torno do núcleo ouxprimeiro centro de atração e a constituir um conjunto simétrico.
A cristalização só se opera em certas circunstâncias favoráveis, fora das quais ela não pode dar-se. São condições essenciais o grau da temperatura e o repouso absoluto. Compreende-se que um calor muito forte, mantendo afastadas as moléculas, não lhes permitiria condensarem-se e que a agitação, impossibilitando-lhes um arranjo simétrico, não lhes consentiria formar senão uma massa confusa e irregular, donde o não haver cristalização propriamente dita.
A lei que preside à formação dos minerais conduz naturalmente à formação dos corpos orgânicos.
(A Gênese – pág. 194)

Dizendo que as plantas e os animais são formados dos mesmos princípios constituintes dos minerais, falamos em sentido exclusivamente
material, pois que aqui apenas do corpo se trata.
(A Gênese – pág. 197)



Sem falar do princípio inteligente, que é questão à parte, há, na matéria orgânica, um princípio especial, inapreensível e que ainda não pode ser definido: o princípio vital. Ativo no ser vivente, esse princípio se acha extinto no ser morto; mas, nem por isso deixa de dar à substância propriedades que a distinguem das substâncias inorgânicas. A Química, que decompõe e recompõe a maior parte dos corpos inorgânicos, também conseguiu decompor os corpos orgânicos, porém jamais chegou a reconstituir, sequer, uma folha morta, prova evidente de que há nestes últimos o que quer que seja, inexistente nos outros.
(A Gênese – pág. 197) (Grifei)

É o princípio vital, pois, que caracteriza uma estrutura material como destinada à vida orgânica.

Combinando-se sem o princípio vital, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono unicamente teriam formado um mineral ou corpo inorgânico; o princípio vital, modificando a constituição molecular desse corpo, dá-lhe propriedades especiais. Em lugar de uma molécula mineral, tem-se uma molécula de matéria orgânica.
(A Gênese – pág. 198)

Esse é o ensinamento dos Espíritos.

60. É a mesma a força que une os elementos da matéria nos corpos orgânicos e nos inorgânicos?
“Sim, a lei de atração é a mesma para todos.”

61. Há diferença entre a matéria dos corpos orgânicos e a dos inorgânicos?
“A matéria é sempre a mesma, porém nos corpos orgânicos está animalizada.”

62. Qual a causa da animalização da matéria?
Sua união com o princípio vital.”

64. Vimos que o Espírito e a matéria são dois elementos constitutivos do Universo. O princípio vital será um terceiro?
“É, sem dúvida, um dos elementos necessários à constituição do Universo, mas que também tem sua origem na matéria universal modificada. É, para vós, um elemento, como o oxigênio e o hidrogênio, que, entretanto, não são elementos primitivos, pois que tudo isso deriva de um só princípio.”
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

O homem, em seu aspecto físico, está totalmente inserido nesse mesmo contexto de criação da vida orgânica, dele não destoando ou desbordando, não se aventando de quaisquer privilégios.

Do ponto de vista corpóreo e puramente anatômico, o homem pertence à classe dos mamíferos, dos quais unicamente difere por alguns matizes na forma exterior. Quanto ao mais, a mesma composição de todos os animais, os mesmos órgãos, as mesmas funções e os mesmos modos de nutrição, de respiração, de secreção, de reprodução. Ele nasce, vive e morre nas mesmas condições e, quando morre, seu corpo se decompõe, como tudo o que vive. Não há, em seu sangue, na sua carne, cm seus ossos, um átomo diferente dos que se encontram no corpo dos animais. Como estes, ao morrer, restitui à terra o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono que se haviam combinado para formá-lo; e esses elementos, por meio de novas combinações, vão formar outros corpos minerais, vegetais e animais. É tão grande a analogia que se estudam as suas funções orgânicas em certos animais, quando as experiências não podem ser feitas nele próprio.
(A Gênese – pág. 203) (Grifei)


71. A inteligência é atributo do princípio vital?
“Não, pois que as plantas vivem e não pensam: só têm vida orgânica. A inteligência e a matéria são independentes, porquanto um corpo pode viver sem a inteligência. Mas, a inteligência só por meio dos órgãos materiais pode manifestar-se. Necessário é que o Espírito se una à matéria animalizada para intelectualizá-la.”
(O Livro dos Espíritos)


A inteligência é uma faculdade especial, peculiar a algumas classes de seres orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade de atuar, a consciência de que existem e de que constituem uma individualidade cada um, assim como os meios de estabelecerem relações com o mundo exterior e de proverem às suas necessidades.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Kardec apresenta uma sintética classificação:

Podem distinguir-se assim: 1°, os seres inanimados, constituídos só de matéria, sem vitalidade nem inteligência: são os corpos brutos; 2°, os seres animados que não pensam, formados de matéria e dotados de vitalidade, porém, destituídos de inteligência; 3°, os seres animados pensantes, formados de matéria, dotados de vitalidade e tendo a mais um princípio inteligente que lhes outorga a faculdade de pensar.
(O Livro dos Espíritos)

·        Seres inanimados
·        Seres animados apenas com vitalidade
·        Seres animados dotados de inteligência

Compreender a vitalidade em contraposição à inteligência é simples. Em O Livro dos Espíritos Kardec questionou a distinção entre a inteligência e o instinto, aspecto bem mais complexo.

72. Qual a fonte da inteligência?
“Já o dissemos; a inteligência universal.”

a) - Poder-se-ia dizer que cada ser tira uma porção de inteligência da fonte universal e a assimila, como tira e assimila o princípio da vida material?
“Isto não passa de simples comparação, todavia inexata, porque a inteligência é uma faculdade própria de cada ser e constitui a sua individualidade moral. Demais, como sabeis, há coisas que ao homem não é dado penetrar e esta, por enquanto, é desse número.”

73. O instinto independe da inteligência?
“Precisamente, não, por isso que o instinto é uma espécie de inteligência. É uma inteligência sem raciocínio. Por ele é que todos os seres provêem às suas necessidades.”
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)


A comunhão essencial entre instinto e inteligência é um ensinamento expresso dos Espíritos. Tanto assim que não há uma linha clara de delimitação entre instinto e inteligência.

74. Pode estabelecer-se uma linha de separação entre o instinto e a inteligência, isto é, precisar onde um acaba e começa a outra?
Não, porque muitas vezes se confundem. Mas, muito bem se podem distinguir os atos que decorrem do instinto dos que são da inteligência.”

75. É acertado dizer-se que as faculdades instintivas diminuem à medida que crescem as intelectuais?
Não; o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

O ser humano comunga da formação do veículo físico orgânico, como visto, tanto quanto do desenvolvimento de sua consciência, adquirindo sua bagagem de instintos assim como a noção de sua individualidade, aperfeiçoando-se na aquisição da inteligência conforme novos horizontes se abrem degrau a degrau na escala evolutiva.


Terá o princípio espiritual sua fonte de origem no elemento cósmico universal? Será ele apenas uma transformação, um modo de existência desse elemento, como a luz, a eletricidade, o calor, etc.?
Se fosse assim, o princípio espiritual sofreria as vicissitudes da matéria; extinguir-se-ia pela desagregação, como o princípio vital; momentânea seria, como a do corpo, a existência do ser inteligente que, então, ao morrer, volveria ao nada, ou, o que daria na mesma, ao todo universal. Seria, numa palavra, a sanção das doutrinas materialistas.
(A Gênese – pág. 208)


O ensinamento dos Espíritos conceitua Espírito como sendo seres inteligentes da criação. Isso porque o termo em si passa a referir não mais o princípio inteligente mas sim o ser que atingiu individualidade e consciência.

76. Que definição se pode dar dos Espíritos?
“Pode dizer-se que os Espíritos são os seres inteligentes da criação. Povoam o Universo, fora do mundo material.”

NOTA - A palavra Espírito é empregada aqui para designar as individualidades dos seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente do Universo.
(O Livro dos Espíritos)

A individualidade é expressamente colocada como atributo do Espírito.

79. Pois que há dois elementos gerais no Universo: o elemento inteligente e o elemento material, poder-se-á dizer que os Espíritos são formados do elemento inteligente, como os corpos inertes o são do elemento material?
“Evidentemente. Os Espíritos são a individualização do princípio inteligente, como os corpos são a individualização do princípio material. A época e o modo por que essa formação se operou é que são desconhecidos.”
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

No que toca à origem do Espírito, Kardec assevera que são criados simples e ignorantes.

O que Deus permite que seus mensageiros lhe digam e o que, aliás, o próprio homem pode deduzir do princípio da soberana justiça, atributo essencial da Divindade, é que todos procedem do mesmo ponto de partida; que todos são criados simples e ignorantes, com igual aptidão para progredir pelas suas atividades individuais; que todos atingirão o grau máximo da perfeição com seus esforços pessoais; que todos, sendo filhos do mesmo Pai, são objeto de igual solicitude; que nenhum há mais favorecido ou melhor dotado do que os outros, nem dispensado do trabalho imposto aos demais para atingirem a meta.
(A Gênese – pág. 209)

Evidencia-se, por outro lado, que a evolução é lei fundamental para o ser espiritual.

Progredir é condição normal dos seres espirituais e a perfeição relativa o fim que lhes cumpre alcançar. Ora, havendo Deus criado desde toda a eternidade, e criando incessantemente, também desde toda a eternidade teia havido seres que atingiram o ponto culminante da escala.
Antes que existisse a Terra, mundos sem conta haviam sucedido a mundos e, quando a Terra saiu do caos dos elementos, o espaço estava
povoado de seres espirituais em todos os graus de adiantamento, desde os que surgiam para a vida até os que, desde toda a eternidade, haviam tomado lugar entre os puros Espíritos, vulgarmente chamados anjos.
(A Gênese – pág. 210)


No estudo deste tema, inevitável que abordemos a questão da dualidade Bem versus Mal. Iniciemos com a conceituação.

629. Que definição se pode dar da moral?
“A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus.”
(O Livro dos Espíritos)

Como regra básica, portanto, procede bem quem procura o bem comum. A noção de Bem e Mal está no homem como atributo de sua inteligência para discernir.

630. Como se pode distinguir o bem do mal?
“O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”

631. Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é bem do que é mal?
“Sim, quando crê em Deus e o quer saber. Deus lhe deu inteligência para distinguir um do outro.”

632. Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o bem quando em realidade pratica o mal?
“Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.”
(O Livro dos Espíritos)

Talvez uma das normas de conduta mais importantes: fazer ao próximo o que desejamos que nos façam. A distinção entre várias situações limítrofes e confusas tem aí o seu fundamento.

Uma abordagem muito importante foi feita por Kardec quanto à existência do Mal na natureza das coisas. A resposta dada pelos Espíritos é muito significativa, apontando expressamente a necessidade de experiência do ser tanto no Bem como no Mal.

634. Por que está o mal na natureza das coisas? Falo do mal moral. Não podia Deus ter criado a Humanidade em melhores condições?
“Já te dissemos: os Espíritos foram criados simples e ignorantes (115). Deus deixa que o homem escolha o caminho. Tanto pior para ele, se toma o caminho mau: mais longa será sua peregrinação. Se não existissem montanhas, não compreenderia o homem que se pode subir e descer; se não existissem rochas, não compreenderia que há corpos duros. É preciso que o Espírito ganhe experiência; é preciso, portanto, que conheça o bem e o mau. Eis por que se une ao corpo.” (119) (Grifei)
(O Livro dos Espíritos)

Disso advém a necessidade de um maior questionamento acerca da origem do Mal. Kardec volta a abordar o tema em A Gênese (pág. 69):

Sendo Deus o princípio de todas as coisas e sendo todo sabedoria,todo bondade, todo justiça, tudo o que dele procede há de participar dos seus
atributos, porquanto o que é infinitamente sábio, justo e bom nada pode produzir que seja ininteligente, mau e injusto. O mal que observamos não pode ter nele a sua origem.


Após apontar a existência de dois tipos de Mal, (os evitáveis e os inevitáveis), Kardec propõe que o conceito em si de Mal é relativo. Uma circunstância muitas vezes pode aparentar ser um mal, quando, na verdade, se conhecidos fossem a causa, o objetivo e o resultado definitivo, seria tida como um bem.

O homem, cujas faculdades são restritas, não pode penetrar, nem abarcar o conjunto dos desígnios do Criador; aprecia as coisas do ponto de vista da sua personalidade, dos interesses factícios e convencionais que criou para si mesmo e que não se compreendem na ordem da Natureza. Por isso é que, muitas vezes, se lhe afigura mau e injusto aquilo que consideraria justo e admirável, se lhe conhecesse a causa, o objetivo, o resultado definitivo. Pesquisando a razão de ser e a utilidade de cada coisa, verificará que tudo traz o sinete da sabedoria infinita e se dobrará a essa sabedoria, mesmo com relação ao que lhe não seja compreensível.
(A Gênese –  pág. 70)

É bem nesse contexto que podemos entender, pois, que a experiência no Mal leva ao Bem: dir-se-ia que circunstâncias tidas como males leva a um bem. Mesmo no que se refere à livres opções do ser, que freqüentemente o relega à dor por sua própria escolha, temos fatos e circunstâncias de aprendizado pela experiência. Muitos são os aspectos da vida em que o aprendizado não se opera senão à conta do treinamento inafastável e o respectivo esforço e dedicação. Vejamos adiante:

Um momento chega em que o excesso do mal moral se torna intolerável e impõe ao homem a necessidade de mudar de vida. Instruído pela experiência, ele se sente compelido a procurar no bem o remédio, sempre por efeito do seu livre-arbítrio. Quando toma melhor caminho, é por sua vontade e porque reconheceu os inconvenientes do outro. A necessidade, pois, o constrange a melhorar-se moralmente, para ser mais feliz, do mesmo modo que o constrangeu a melhorar as condições materiais da sua existência. (Grifei)
(A Gênese – pág. 72)


Pode dizer-se que o mal é a ausência do bem, como o frio é a ausência do calor. Assim como o frio não é um fluido especial, também o mal não é atributo distinto; um é o negativo do outro. Onde não existe o bem, forçosamente existe o mal. Não praticar o mal, já é um princípio do bem. Deus somente quer o bem; só do homem procede o mal. Se na criação houvesse um ser preposto ao mal, ninguém o poderia evitar; mas, tendo o homem a causa do mal em SI MESMO, tendo simultaneamente o livre-arbítrio e por guia as leis divinas, evitá-lo-á sempre que o queira.
(A Gênese – pág. 72)



Estudando-se todas as paixões e, mesmo, todos os vícios, vê-se que as raízes de umas e outros se acham no instinto de conservação, instinto que se encontra em toda a pujança nos animais e nos seres primitivos mais próximos da animalidade, nos quais ele exclusivamente domina, sem o contrapeso do senso moral, por não ter ainda o ser nascido para a vida intelectual. O instinto se enfraquece, à medida que a inteligência se desenvolve, porque esta domina a matéria. O Espírito tem por destino a vida espiritual, porém, nas primeiras fases da sua existência corpórea, somente a exigências materiais lhe cumpre satisfazer e, para tal, o exercício das paixões constitui uma necessidade para o efeito da conservação da espécie e dos indivíduos, materialmente falando. Mas, uma vez saído desse período, outras necessidades se lhe apresentam, a princípio semimorais e semimateriais, depois exclusivamente morais. É então que o Espírito exerce domínio sobre a matéria, sacode-lhe o jugo, avança pela senda providencial que se lhe acha traçada e se aproxima do seu destino final. Se, ao contrário, ele se deixa dominar pela matéria, atrasa-se e se identifica com o bruto. Nessa situação, o que era outrora um bem, porque era uma necessidade da sua natureza, transforma-se num mal, não só porque já não constitui uma necessidade, como porque se torna prejudicial à espiritualização do ser. Muita coisa, que é qualidade na criança, torna-se defeito no adulto. O mal é, pois, relativo e a responsabilidade é proporcionada ao grau de adiantamento.
(A Gênese – pág. 73). (Grifei)

Eis que o mal (ou, melhor dizendo, muito do que é tido como mal) é uma fase do desenvolvimento do ser. O que outrora era um bem, torna-se um mal, conforme o ser deixa a animalidade e adentra à noção de si conforme o seu grau de adiantamento.

Todas as paixões têm, portanto, uma utilidade providencial, visto que, a não ser assim, Deus teria feito coisas inúteis e, até, nocivas. No abuso é que reside o mal e o homem abusa em virtude do seu livre-arbítrio. Mais tarde, esclarecido pelo seu próprio interesse, livremente escolhe entre o bem e o mal.
(A Gênese – pág. 74)

A situação do ser enquanto ainda nos limites mais primitivos é destacada por Kardec em O Céu e o Inferno:

Como prova da sua inocência, o quadro dos homens primitivos extasiados ante a Natureza e admirando nela a bondade do Criador é, sem dúvida, muito poético, mas pouco real. De fato, quanto mais se aproxima do primitivo estado, mais o homem se escraviza ao instinto, como se verifica ainda hoje nos povos bárbaros e selvagens contemporâneos; o que mais o preocupa, ou, antes, o que exclusivamente o preocupa é a satisfação das necessidades materiais, mesmo porque não tem outras.
O único sentido que pode torná-lo acessível aos gozos puramente morais não se desenvolve senão gradual e morosamente; a alma tem também a sua infância, a sua adolescência e virilidade como o corpo humano; mas para compreender o abstrato, quantas evoluções não tem ela de experimentar na Humanidade! Por quantas existências não deve ela passar!
(O Céu e o Inferno – pág. 115) (Grifei)

Mais adiante:

Se nos remontarmos a estes últimos (homens primitivos), então, surpreendê-los-emos mais exclusivamente preocupados com a satisfação de necessidades materiais, resumindo o bem e o mal neste mundo somente no que concerne à satisfação ou prejuízo dessas necessidades.
(O Céu e o Inferno – pág. 116)


Mas o homem é comumente mais sensível ao mal que ao bem; este lhe parece natural, ao passo que aquele mais o afeta. Nem por outra razão se explica, nos cultos primitivos, as cerimônias sempre mais numerosas em honra ao poder maléfico: o temor suplanta o reconhecimento.
(O Céu e o Inferno – fl. 117)


É muito difícil entender exatamente em que ponto o ser adquire discernimento suficiente para identificar o caráter ilícito de uma conduta, deixando de se arrastar pelos instintos para decidir sobre o que deve ou não ser feito. Kardec denomina paixões os impulsos que advêm do instinto de conservação, paixões cujo exercício constituem uma necessidade para o atendimento das necessidades materiais das primeiras fases da existência corpórea do Espírito. Em um dado momento, o ser entende que deve atender a essas necessidades ao mesmo tempo em que se vai estabelecendo uma escala de valores em sua incipiente capacidade de avaliação. O ser passa a considerar, desde os rudimentos mais simples, a idéia de certo e errado. Para cada aumento na capacidade de valorar entre certo e errado, aumenta-lhe simetricamente a responsabilidade pela decisão que tomar.

Essa responsabilidade progressiva a partir de certo grau traz a plena imputabilidade do ser humano como sujeito de acertos e desacertos, tornando-o o legítimo destinatário das conseqüências de seus atos.

O ensinamento ministrado no Capítulo VI de A Gênese foi assinado por Galileu (esse capítulo é textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título - Estudos uranográficos e assinadas GALILEU – nota à página 103). Ele revelou a temeridade de ofertar uma exposição clara e pretensamente completa acerca da conquista do livre-arbítrio pelos Espíritos. Ainda assim é um ensinamento profundo e que não podemos ignorar:

Até aqui, porém, temos guardado silêncio sobre o mundo espiritual, que também faz parte da criação e cumpre seus destinos conforme as augustas prescrições do Senhor.
Acerca do modo da criação dos Espíritos, entretanto, não posso ministrar mais que um ensino muito restrito, em virtude da minha própria ignorância e também porque tenho ainda de calar-me no que concerne a certas questões, se bem já me haja sido dado aprofundá-las.
Aos que desejem religiosamente conhecer e se mostrem humildes perante Deus, direi, rogando-lhes, todavia, que nenhum sistema prematuro baseiem nas minhas palavras, o seguinte: O Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente com o livre-arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais se elabora lentamente a obra da sua individualização. Unicamente a datar do dia em que o Senhor lhe imprime na fronte o seu tipo augusto, o Espírito toma lugar no seio das humanidades.
De novo peço: não construais sobre as minhas palavras os vossos raciocínios, tão tristemente célebres na história da Metafísica. Eu preferiria mil vezes calar-me sobre tão elevadas questões, tão acima das nossas meditações ordinárias, a vos expor a desnaturar o sentido de meu ensino e a vos lançar, por culpa minha, nos inextricáveis dédalos do deísmo ou do fatalismo.
(A Gênese – pág. 117)


Entretanto, é do Ensino dos Espíritos a seguinte abordagem da questão do homem enquanto ser inteligente, em comparação aos animais.

592. Se, pelo que toca à inteligência, comparamos o homem e os animais, parece difícil estabelecer-se uma linha de demarcação entre aquele e estes, porquanto alguns animais mostram, sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Pode essa linha de demarcação ser estabelecida de modo preciso?
“A este respeito é completo o desacordo entre os vossos filósofos. Querem uns que o homem seja um animal e outros que o animal seja um homem. Estão todos em erro. O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes e que pode também elevar-se muito alto. Pelo físico, é como os animais e menos bem dotado do que muitos destes. A Natureza lhes deu tudo o que o homem é obrigado a inventar com a sua inteligência, para satisfação de suas necessidades e para sua conservação. Seu corpo se destrói, como o dos animais, é certo, mas ao seu Espírito está assinado um destino que só ele pode compreender, porque só ele é inteiramente livre. Pobres homens, que vos rebaixais mais do que os brutos! Não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Ainda assim, o Ensinamento dos Espíritos, harmonicamente com o que foi dito antes (“o instinto é uma espécie de inteligência”), não distingue os animais como seres apenas instintivos.

593. Poder-se-á dizer que os animais só obram por instinto?
“Ainda aí há um sistema. É verdade que na maioria dos animais domina o instinto. Mas, não vês que muitos obram denotando acentuada vontade? É que têm inteligência, porém limitada.”
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Compreendendo que o livre-arbítrio é um atributo da inteligência, os Espíritos assim se expressam quanto aos animais:

595. Gozam de livre-arbítrio os animais, para a prática dos seus atos?
“Os animais não são simples máquinas, como supondes. Contudo, a liberdade de ação, de que desfrutam, é limitada pelas suas necessidades e não se pode comparar à do homem. Sendo muitíssimo inferiores a este, não têm os mesmos deveres que ele. A liberdade, possuem-na restrita aos atos da vida material.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Os animais, pois, possuem liberdade de agir, conquanto nos limites de suas necessidades materiais. Mais do que isso, os animais são dotados de um corpo espiritual que é a sede dessa limitada inteligência, corpo espiritual que remanesce ao corpo físico e que conserva a sua individualidade após a morte deste.

597. Pois que os animais possuem uma inteligência que lhes faculta certa liberdade de ação, haverá neles algum princípio independente da matéria?
Há e que sobrevive ao corpo.”

a) - Será esse princípio uma alma semelhante à do homem?
“É também uma alma, se quiserdes, dependendo isto do sentido que se der a esta palavra. É, porém, inferior à do homem. Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus.

598. Após a morte, conserva a alma dos animais a sua individualidade e a consciência de si mesma?
Conserva sua individualidade; quanto à consciência do seu eu, não. A vida inteligente lhe permanece em estado latente.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

O princípio inteligente que progride nos corpos animais advém do elemento inteligente universal.

606. Donde tiram os animais o princípio inteligente que constitui a alma de natureza especial de que são dotados?
“Do elemento inteligente universal.”

a) - Então, emanam de um único princípio a inteligência do homem e a dos animais?
“Sem dúvida alguma, porém, no homem, passou por uma elaboração que a coloca acima da que existe no animal.”
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

De se notar que os Espíritos ensinam que entre a alma do homem e a alma do animal há uma imensa distância evolutiva:

[...]
Há entre a alma dos animais e a do homem distância equivalente à que medeia entre a alma do homem e Deus

... no homem, passou por uma elaboração que a coloca acima da que existe no animal.
[...]

Evidencia-se que o princípio inteligente evolui até atingir a condição de individualidade e, depois, a consciência de si mesmo:

607. Dissestes (190) que o estado da alma do homem, na sua origem, corresponde ao estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e se ensaia para a vida. Onde passa o Espírito essa primeira fase do seu desenvolvimento?
“Numa série de existências que precedem o período a que chamais Humanidade.

a) - Parece que, assim, se pode considerar a alma como tendo sido o princípio inteligente dos seres inferiores da criação, não?
“Já não dissemos que todo em a Natureza se encadeia e tende para a unidade? Nesses seres, cuja totalidade estais longe de conhecer, é que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco a pouco e se ensaia para a vida, conforme acabamos de dizer. É, de certo modo, um trabalho preparatório, como o da germinação, por efeito do qual o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. Entra então no período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos. Assim, à fase da infância se segue a da adolescência, vindo depois a da juventude e da madureza. Nessa origem, coisa alguma há de humilhante para o homem. Sentir-se-ão humilhados os grandes gênios por terem sido fetos informes nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que lhe seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para lhe sondar a profundeza dos desígnios e para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável harmonia, mediante a qual tudo é solidário na Natureza. Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e criado seres inteligentes sem futuro, fora blasfemar da Sua bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.”
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Nesse texto de O Livro dos Espíritos, em consonância com o anteriormente referido ensino do Espírito referenciado como Galileu (A Gênese – pág. 117 – “O Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente com o livre-arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais se elabora lentamente a obra da sua individualização. Unicamente a datar do dia em que o Senhor lhe imprime na fronte o seu tipo augusto, o Espírito toma lugar no seio das humanidades.”), não parece haver outra possibilidade senão a de ver a origem comum do homem e todos os demais seres criados.  Veja-se que a pergunta pressupõe a alma como tendo sido o mesmo princípio inteligente dos seres inferiores da criação, advindo, da resposta afirmativa, que há identidade entre eles. Não há uma criação especial para o homem. Sem embargo, o homem representa já uma fase, essa sim (fase), especial em relação aos animais e seres mais simples.

De qualquer forma, é assim expresso pelos Espíritos:

610. Ter-se-ão enganado os Espíritos que disseram constituir o homem um ser à parte na ordem da criação?
“Não, mas a questão não fora desenvolvida. Demais, há coisas que só a seu tempo podem ser esclarecidas. O homem é, com efeito, um ser à parte, visto possuir faculdades que o distinguem de todos os outros e ter outro destino. A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação do seres que podem conhecê-Lo.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Na tradução de J. Herculado Pires:

610. Os Espíritos que disseram que o homem é um ser à parte na ordem da Criação enganaram-se, então?
– Não, mas a questão não havia sido desenvolvida, e há coisas que não podem vir senão a seu tempo. O homem é, de fato, um ser à parte, porque tem faculdades que o distinguem de todos os outros e tem outro destino. A espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação dos seres que podem conhecer.
(O Livro dos Espíritos – grifo original)

Os Espíritos deixam assente que há informações que só devem vir plenamente no tempo certo da maturação do conhecimento humano. Então, conquanto asseverem que a espécie humana é a que Deus escolheu para a encarnação dos seres que podem atingir o conhecimento (que podem conhecê-Lo), é imperativo harmonizar-se esse informe com tudo o mais que foi codificado pelos Espíritos. A alma, ou seja, o Espírito encarnado, foi o princípio inteligente dos seres inferiores da criação, como já destacado mais acima. Ademais o trecho mais significativo é:

[...] o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. Entra então no período da humanização, começando a ter consciência do seu futuro, capacidade de distinguir o bem do mal e a responsabilidade dos seus atos [...]
(O Livro dos Espíritos – pergunta 607-A)

Na tradução de J. Herculano Pires:

[...] o princípio inteligente sofre uma transformação e se torna Espírito. É então que começa para ele o período de humanidade, e com este a consciência do seu futuro, a distinção do bem e do mal e a responsabilidade dos seus atos [...]
(O Livro dos Espíritos – pergunta 607-A)

Desse modo, concluir nos estritos limites da parte final da resposta dada à pergunta 610, concebendo o homem como um ser originário de uma criação especial, criaria uma antinomia interna na Doutrina Espírita, situação inconcebível ante a origem dos ensinamentos.

Sem dúvida a interpretação para essa resposta, no contexto de tudo o mais que foi exposto pelos Espíritos, implica em considerar que o homem é especial aos olhos de Deus por ser homem. Ou seja, um ser que atingiu a fase de humanidade.


Referindo-se ao Espírito como o ser espiritual, individualizado e consciente de si, em O Livro dos Espíritos vê-se o ensinamento de que essa essência espiritual limita-se por um envoltório chamado perispírito. É semimaterial e formado pelos fluidos oriundos do fluido cósmico universal existentes em cada planeta.

93. O Espírito, propriamente dito, nenhuma cobertura tem, ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa substância qualquer?
“Envolve-o uma substância, vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde queira.”
Envolvendo o gérmen de um fruto, há o perisperma; do mesmo modo, uma substância que, por comparação, se pode chamar perispírito, serve de envoltório ao Espírito propriamente dito.

94. D e onde tira o Espírito o seu invólucro semimaterial?
“Do fluido universal de cada globo, razão por que não é idêntico em todos os mundos. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório, como mudais de roupa.”
(O Livro dos Espíritos)

O perispírito é, em última análise, uma modificação do fluido cósmico universal. Kardec apresenta um conceito bem elucidativo: o perispírito é uma condensação do fluido cósmico universal em torno de um foco de inteligência. Na verdade, o perispírito é moldado a partir dos fluidos ambientais de cada planeta, ou seja, das modificações do fluido universal existentes em cada planeta, como já destacado.

O perispírito, ou corpo fluídico dos Espíritos, é um dos mais importantes produtos do fluido cósmico; é uma condensação desse fluido em torno de um foco de inteligência ou alma. Já vimos que também o corpo carnal
tem seu princípio de origem nesse mesmo fluido condensado e transformado em matéria tangível. No perispírito, a transformação molecular se opera diferentemente, porquanto o fluido conserva a sua imponderabilidade e suas qualidades etéreas. O corpo perispirítico e o corpo carnal têm pois origem no mesmo elemento primitivo; ambos são matéria, ainda que em dois estados diferentes.
Do meio onde se encontra é que o Espírito extrai o seu perispírito, isto é, esse envoltório ele o forma dos fluidos ambientes. Resulta daí que os elementos constitutivos do perispírito naturalmente variam, conforme os
mundos.
(A Gênese – pág. 277)

A formação do perispírito, sendo feita sobre os fluidos do ambiente em que o Espírito se situa, obedece também a uma gradação conforme o grau evolutivo desse Espírito. Em um mesmo planeta há vários padrões de fluidos, uns mais grosseiros, outros mais etéreos, ficando a constituição perispirítica em proporção direta ao adiantamento do Espírito, tanto maior a sua materialidade quanto menor o adiantamento e vice-versa.

A camada de fluidos espirituais que cerca a Terra se pode comparar às camadas inferiores da atmosfera, mais pesadas, mais compactas, menos puras, do que as camadas superiores. Não são homogêneos esses fluidos; são uma mistura de moléculas de diversas qualidades, entre as quais necessariamente se encontram. as moléculas elementares que lhes formam a base, porém mais ou menos alteradas. Os efeitos que esses fluidos produzem estarão na razão da soma das partes puras que eles encerram.
[...]
Os Espíritos chamados a viver naquele meio tiram dele seus perispíritos;
porém, conforme seja mais ou menos depurado o Espírito, seu perispírito se formará das partes mais puras ou das mais grosseiras do fluido peculiar ao mundo onde ele encarna.
(A Gênese – pág. 279)

Adiante, uma nota de Kardec lançada em O Livro dos Médiuns, muito interesante e elucidativa:

Já foi explicado que a densidade do perispírito, se assim se pode dizer, varia de acordo com o estado dos mundos. Parece que também varia, em um mesmo mundo, de indivíduo para indivíduo. Nos Espíritos moralmente adiantados, é mais sutil e se aproxima da dos Espíritos elevados; nos Espíritos inferiores, ao contrário, aproxima-se da matéria e é o que faz que os Espíritos de baixa condição conservem por muito tempo as ilusões da vida terrestre. Esses pensam e obram como se ainda fossem vivos; experimentam os mesmos desejos e quase que se poderia dizer a mesma sensualidade. Esta grosseria do perispírito, dando-lhe mais afinidade com a matéria, torna os Espíritos inferiores mais aptos às manifestações físicas.
(O Livro dos Médiuns – pág. 94) (Grifei)

Na tradução de J. Herculado Pires:

Observação - A densidade do perispírito, se assim se pode dizer, varia de acordo com a natureza dos mundos, como já foi ensinado. (O Livro dos Espíritos, n° 94 e 187). Parece variar também no mesmo mundo, segundo os indivíduos. Nos Espíritos moralmente adiantados ele é mais sutil e se aproxima do perispírito das entidades elevadas: nos Espíritos inferiores aproxima-se da matéria e é isso que determina a persistência das ilusões da vida terrena nas entidades de baixa categoria, que pensam e agem como se ainda estivessem na vida física, tendo os mesmos desejos e quase poderíamos dizer a mesma sensualidade. Essa densidade maior do perispírito, estabelecendo maior afinidade com a matéria, torna os Espíritos inferiores mais aptos para as manifestações físicas.
(O Livro dos Médiuns – pág. 47)

Não por outra razão, certamente, foi destacado em A Gênese que o perispírito é constituído consoante as características do Espírito que o forma.

Resulta disso este fato capital: a constituição íntima do perispírito não é idêntica em todos os Espíritos encarnados ou desencarnados que povoam a Terra ou o espaço que a circunda. O mesmo já não se dá com o corpo carnal, que, como foi demonstrado, se forma dos mesmos elementos, qualquer que seja a superioridade ou a inferioridade do Espírito. Por isso, em todos, são os mesmos os efeitos que o corpo produz, semelhantes as necessidades, ao passo que diferem em tudo o que respeita ao perispírito.
Também resulta que: o envoltório perispirítico de um Espírito se modifica com o progresso moral que este realiza em cada encarnação, embora ele encarne no mesmo meio; que os Espíritos superiores, encarnando excepcionalmente, em missão, num mundo inferior, têm perispírito menos grosseiro do que o dos indígenas desse mundo.
(A Gênese – pág. 279 - grifei)


A composição do perispírito nos permite entender que existe efetivamente uma interação do Espírito em relação aos fluidos em geral. O perispírito é feito a partir dos fluidos ambientais de cada orbe, como visto. Assim, os mais variados fluidos são movimentados, atraídos, absorvidos, enfim empregados pelo Espírito.

Impende buscarmos compreender o que sejam os fluidos.


Uma concepção possível acerca de fluidos é: Fluidos são irradiações manifestas no meio em que se caracterizam.

O fluido universal se espraia por todo o Universo. É denominado em A Gênese como fluido cósmico universal. Conquanto a ciência não mais contemple o éter, podemos ter em mente que é esse éter o meio universal de irradiação do fluido primordial. Éter, aqui (independentemente de variações que esse termo possa ter consoante essa ou aquela escola espiritualista), é uma referência ao corpo do fluido universal.  É o meio pelo qual o fluido é irradiado pela vontade de Deus. O próprio meio é comumente referido como o fluido. No entanto, o fluido universal, como já visto antes, não é uma emanação do Criador mas dele advém pelo exercício de Sua Vontade, que o imprime no todo universal para os fins a que se destina, no concerto da Grande Obra, que assim se irradia à eternidade e por todo o infinito. É uma irradiação no meio.

I. Será o fluido universal uma emanação da divindade?
"Não."
II. Será uma criação da divindade?
"Tudo é criado, exceto Deus."
III. O fluido universal será ao mesmo tempo o elemento universal?
"Sim, é o princípio elementar de todas as coisas."
(O Livro dos Médiuns – pág. 92)

Como já visto, a trindade universal é Deus – Espírito – Matéria. Portanto, relembremos que à exceção de Deus e do Espírito, tudo o mais é matéria. No caso do éter universal, é a matéria quintessenciada (o termo quintessência vem de quinta essência, no sentido de ser pertinente ao quinto elemento da natureza, além dos tradicionais fogo-terra-água-ar). Não é de natureza espiritual, conquanto seja comum dizer-se “fluido espiritual”. É matéria etérea, imponderável, mas matéria. É o éter.


O meio etérico em que se propaga o Pensamento do Criador, conforme seja irradiado nessa ou naquela faixa de vibrações, terá propriedades diferentes conforme a Vontade de Deus.

No estado de eterização, o fluido cósmico não é uniforme; sem deixar de ser etéreo, sofre modificações tão variadas em gênero e mais numerosas talvez do que no estado de matéria tangível. Essas modificações constituem fluidos distintos que, embora procedentes do mesmo princípio, são dotados de propriedades especiais e dão lugar aos fenômenos peculiares ao mundo invisível.
(A Gênese – pág. 274 – grifei)

Cada orbe, considerando as numerosíssimas variáveis de composição e finalidade, cerca-se de fluidos tão variáveis quanto próprios ao ambiente desse orbe. Eis que os fluidos que existem na Terra não são os mesmos existentes em outros planetas, como já ficara destacado.


Consoante a Codificação Espírita:

Os fluidos espirituais, que constituem um dos estados do fluido cósmico universal, são, a bem dizer, a atmosfera dos seres espirituais; o elemento donde eles tiram os materiais sobre que operam; o meio onde ocorrem os fenômenos especiais, perceptíveis à visão e à audição do Espírito, mas que escapam aos sentidos carnais, impressionáveis somente à matéria tangível; o meio onde se forma a luz peculiar ao mundo espiritual, diferente, pela causa e pelos efeitos da luz ordinária; finalmente, o veículo do pensamento, como o ar o é do som.
(A Gênese – pág. 281 – grifei)

O meio etérico circundante reage prontamente ao pensamento e à vontade dos Espíritos. Os fluidos mudam sua cor, densidade, subdividem-se, reaglomeram-se. Mas não percamos de vista que os fluidos são irradiações no meio etérico, de modo que essas irradiações podem vibrar nos mais variados patamares, gerando luzes, sons, odores, tanto quanto podem condensar o meio até mesmo a tangibilidade física.

Basta que o Espírito pense uma coisa, para que esta se produza, como basta que modele uma ária, para que esta repercuta na atmosfera.
(A Gênese – pág. 282 – grifei)

É assim, por exemplo, que um Espírito se faz visível a um encarnado que possua a vista psíquica, sob as aparências que tinha quando vivo na época em que o segundo o conheceu, embora haja ele tido, depois dessa época, muitas encarnações. Apresenta-se com o vestuário, os sinais exteriores - enfermidades, cicatrizes, membros amputados, etc. - que tinha então. Um decapitado se apresentará sem a cabeça. Não quer isso dizer que haja conservado essas aparências, certo que não, porquanto, como Espírito, ele não é coxo, nem maneta, nem zarolho, nem decapitado; o que se dá é que, retrocedendo o seu pensamento à época em que tinha tais defeitos, seu perispírito lhes toma instantaneamente as aparências, que deixam de existir logo que o mesmo pensamento cessa de agir naquele sentido. Se, pois, de uma vez ele foi negro e branco de outra, apresentar-se-á como branco ou negro, conforme a encarnação a que se refira a sua evocação e à que se transporte o seu pensamento.
(A Gênese – pág. 282 – grifei)

Importante notar que, como o Espírito tem um perispírito fluídico, tudo o que for modelado no meio etérico terá para ele plena existência objetiva e não apenas uma forma sem substância.

Por análogo efeito, o pensamento do Espírito cria fluidicamente os objetos que ele esteja habituado a usar. Um avarento manuseará ouro, um militar trará suas armas e seu uniforme, um fumante o seu cachimbo, um lavrador a sua charrua e seus bois, uma mulher velha a sua roca. Para o Espírito, que é, também ele, fluídico, esses objetos fluidicos são tão reais, como o eram, no estado material, para o homem vivo; mas, pela razão de serem criações do pensamento, a existência deles é tão fugitiva quanto a deste.
(A Gênese – pág. 282 – grifei)

Essa capacidade de plasmagem e modelagem fluídica é comumente denominada ideoplastia. A ideoplastia traz à tona uma verdade a que o homem comum não está habituado: nada é mais ilusório do que a privacidade de um pensamento.

Há mais: criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no envoltório perispirítico, como num espelho; toma nele corpo e aí de certo modo se fotografa. Tenha um homem, por exemplo, a idéia de matar a outro: embora o corpo material se lhe conserve impassível, seu corpo fluídico é posto em ação pelo pensamento e reproduz todos os matizes deste último; executa fluidicamente o gesto, o ato que intentou praticar. O pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira é pintada, como num quadro, tal qual se lhe desenrola no espírito.
Desse modo é que os mais secretos movimentos da alma repercutem no envoltório fluídico; que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos do corpo. Contudo, vendo a intenção, pode ela pressentir a execução do ato que lhe será a consequência, mas não pode determinar o instante em que o mesmo ato será executado, nem lhe assinalar os pormenores, nem, ainda, afirmar que ele se dê, porque circunstâncias ulteriores poderão modificar os planos assentados e mudar as disposições. Ele não pode ver o que ainda não esteja no pensamento do outro; o que vê é a preocupação habitual do indivíduo, seus desejos, seus projetos, seus desígnios bons ou maus.
(A Gênese – pág. 283 – grifei)

Como já observado mais de uma vez, o fluido é uma irradiação no meio etérico. Isso é muito relevante porque, paralelamente a tudo o que já foi dito, os fluidos tocam-se também de propriedades correlatas à qualidade do pensamento que o imprime. Um fluido é um fluido. É matéria. Ainda que etérica, é matéria. Mas é uma forma de matéria que absorve vibração por vibração o pensamento modelador, tomando-lhe os efeitos diretos de suas características boas ou ruins.

O pensamento do encarnado atua sobre os fluidos espirituais, como o dos desencarnados, e se transmite de Espírito a Espírito pelas mesmas vias e, conforme seja bom ou mau, saneia ou vicia os fluidos ambientes.
Desde que estes se modificam pela projeção dos pensamentos do Espírito, seu invólucro perispirítico, que é parte constituinte do seu ser e que recebe de modo direto e permanente a impressão de seus pensamentos, há de, ainda mais, guardar a de suas qualidades boas ou más. Os fluidos viciados pelos eflúvios dos maus Espíritos podem depurar-se pelo afastamento destes, cujos perispíritos, porém, serão sempre os mesmos, enquanto o Espírito não se modificar por si próprio.
Sendo o perispírito dos encarnados de natureza idêntica à dos fluidos espirituais, ele os assimila com facilidade, como uma esponja se embebe de um líquido. Esses fluidos exercem sobre o perispírito uma ação tanto mais direta, quanto, por sua expansão e sua irradiação, o perispírito com eles se confunde.
(A Gênese – pág. 285 – grifei)

Ainda mais importante, a ação dos fluidos modelados pelo pensamento ruim atingem o próprio corpo físico.
Atuando esses fluidos sobre o perispírito, este, a seu turno, reage sobre o organismo material com que se acha em contacto molecular. Se os eflúvios são de boa natureza, o corpo ressente uma impressão salutar; se são maus, a impressão é penosa. Se são permanentes e enérgicos, os eflúvios maus podem ocasionar desordens físicas; não é outra a causa de certas enfermidades.
Os meios onde superabundam os maus Espíritos são, pois, impregnados de maus fluidos que o encarnado absorve pelos poros perispiríticos, como absorve pelos poros do corpo os miasmas pestilenciais.
(A Gênese – págs. 285/286 – grifei)


Evidencia-se a extrema necessidade de manter-se o mais elevado possível o nível moral dos pensamentos predominantes em nossa mente. Eis aí o fundamento de um dos mais áureos ensinamentos: orai e vigiai.


Referindo-se aos objetos existentes com Espíritos na erraticidade, Kardec abordou diretamente a questão da modelagem dos fluidos.

4. Seria um desdobramento da matéria inerte? Haveria no mundo invisível uma matéria essencial que revestiria as formas dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo etéreo no mundo invisível, como os homens são ali representados pelos Espíritos?
— Não é assim que isso se dá. O Espírito dispõe, sobre os elementos materiais dispersos por todo o espaço da vossa atmosfera, de um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode concentrar esses elementos pela sua vontade e dar-lhe a forma aparente que convenha às suas intenções.
(O Livro dos Médiuns – pág. 85 - grifei)

A interação entre o Espírito e os fluidos pode atingir níveis elevados de realização. Um objeto moldado em fluidos terá praticamente todas as características de um objeto material, inclusive quanto à cor, odor, tangibilidade, sabor e até mesmo outros efeitos.

11. Suponhamos que ele quisesse fazer uma substância venenosa que uma pessoa a tomasse. Ficaria envenenada?
— O Espírito poderia fazê-la, mas não a faria porque isso não lhe é permitido.
12. Poderia fazer uma substância salutar, apropriada à cura de uma doença, e isso já aconteceu?
 — Sim, muitas vezes.
13. Poderia então, da mesma maneira, fazer uma substância aliar? Suponhamos que fizesse uma fruta ou uma iguaria qualquer. Alguém poderia comê-la e sentir-se saciado?
— Sim, sim. Mas não procures tanto para achar o que é tão fácil de compreender. Basta um raio de sol para tornar perceptíveis aos vossos Órgãos grosseiros as partículas materiais que enchem o espaço no meio do qual vives. Não sabes que o ar contém vapor d'água? Condensa-os e voltarão ao estado normal. Priva-os de calor e verás que essas moléculas impalpáveis e invisíveis se transformam num corpo sólido e bem sólido. Assim muitas outras substâncias de que os químicos ainda tirarão maravilhas mais espantosas. Mas acontece que o Espírito possui instrumentos mais perfeitos que os vossos: a vontade e a permissão de Deus.
(O Livro dos Médiuns – pág. 85 - grifei)

Outro aspecto muito importante a se abordar é que o Espírito modela fluidos por ação de sua vontade mesmo que não saiba que é assim que as coisas acontecem. O Espírito traz em si condicionado pelos evos de progresso os mecanismos de atuação no meio fluídico.

15. Todos os Espíritos têm no mesmo grau o poder de produzia objetos tangíveis?
— O certo é que o Espírito, quanto mais elevado, mais facilmente o consegue, mas isso também depende das circunstâncias: os Espíritos inferiores podem ter esse poder.
16. O Espírito tem sempre consciência da maneira pela qual produz as suas roupas ou os objetos que torna aparentes?
Não. Muitas vezes ajuda a formá-los por uma ação instintiva, que ele mesmo não compreende, se não estiver suficientemente esclarecida para isso.
(O Livro dos Médiuns – pág. 87 - grifei)

É o próprio Kardec quem nos oferece um resumo precioso acerca da interação dos Espíritos com os fluidos circundantes.

A teoria acima pode ser resumida assim: o Espírito age sobre a matéria; tira da matéria cósmica universal os elementos necessários para formar, como quiser, objetos com a aparência dos diversos corpos da Terra. Pode também operar, pela vontade, sobre a matéria elementar, uma transformação íntima que lhe dê certas propriedades. Essa faculdade é inerente à natureza do Espírito, que a exerce muitas vezes de maneira instintiva e, portanto, sem o perceber, quando se faz necessário. Os objetos formados pelo Espírito são de existência passageira, que depende da sua vontade ou da necessidade: ele pode fazê-los e desfazê-los a seu bel-prazer. Esses objetos podem, em certos casos, parecer para os vivos perfeitamente reais, tornando-se momentaneamente visíveis e mesmo tangíveis. Trata-se de formação e não de criação, pois o Espírito não pode tirar nada do nada.
A existência de uma matéria elementar única é hoje quase geralmente admitida pela ciência e os Espíritos a confirmam, como acabamos de ver. Essa matéria dá origem a todos os corpos da Natureza. As suas transformações determinam as diversas propriedades os corpos. É assim que uma substância salutar pode tornar-se venenosa por uma simples modificação. [...]
Desde que o Espírito, através apenas da sua vontade, pode agir tão decisivamente sobre a matéria elementar, compreende-se que possa formar substâncias e até mesmo desnaturar as suas propriedade, usando a própria vontade como reativo.
(O Livro dos Médiuns – pág. 87 - grifei)


A ação dos Espíritos sobre os fluidos em geral permite compreender que, seja o Espírito por si só, seja com o concurso de um encarnado, é plenamente possível acumular fluido magnético na água de um recipiente. Os fluido magnético atuará nas propriedades da água, podendo potencializá-la com efeitos benéficos.

O encarnado, dentro de certos limites, poderá fazer o mesmo ainda que sem a ajuda de um Espírito. Obviamente a vontade de assim proceder deve ser mais intensa, exigindo maior concentração.

Esta teoria nos dá a solução de um problema do magnetismo, bem conhecido mas até hoje inexplicado, que é o fato da modificação das propriedades da água pela vontade. O Espírito agente é o do magnetizador, na maioria das vezes assistido por um Espírito desencarnado. Ele opera uma transmutação por meio do fluido magnético que, como já dissemos, é a substância que mais se aproxima da matéria cósmica ou elemento universal. E se ele pode produzir uma modificação nas propriedades da água, pode igualmente faze-lo no tocante aos fluidos orgânicos, do que resulta o efeito curativo da ação magnética convenientemente dirigida.
(O Livro dos Médiuns – pág. 88 - grifei)



O ensinamento dos Espíritos aponta a encarnação como uma necessidade de progressão. Para a progressão do Universo em si é necessário que haja a ação de seres corpóreos – é o que afirmam os Espíritos. Assim, ao mesmo tempo em que o Espírito progride com as experiências no plano físico, impulsiona de sua parte a evolução do Universo.

132. Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?
“Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro. fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.”
A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha do Universo. Deus, porém, na Sua sabedoria, quis que nessa mesma ação eles encontrassem um meio de progredir e de se aproximar Dele. Deste modo, por uma admirável lei da Providência, tudo se encadeia, tudo é solidário na Natureza.
(O Livro dos Espíritos) (Grifei)

Na tradução de J. Herculano Pires:

132. Qual é a finalidade da encarnação dos Espíritos?
– Deus a impõe com o fim de levá-los à perfeição: para uns, é uma expiação; para outros, uma missão. Mas, para chegar a essa perfeição, eles devem sofrer todas as vicissitudes da existência corpórea: nisto é que está a expiação. A encarnação tem ainda outra finalidade, que é a de pôr o Espírito em condições de enfrentar a sua parte na obra
da criação. E para executá-la que ele toma um aparelho em cada mundo, em harmonia com a sua matéria essencial, a fim de nele cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. E dessa maneira, concorrendo para a obra geral, também progride.
A ação dos seres corpóreos é necessária à marcha do Universo. Mas Deus, na sua sabedoria, quis que eles tivessem, nessa mesma ação, um meio de progredir e de se aproximarem d’Ele. É assim que, por uma lei admirável da sua providência, tudo se encadeia, tudo é solidário na Natureza.
(O Livro dos Espíritos – grifos originais)


A encarnação do Espírito se dá pela união do perispírito ao corpo que se forma após a junção dos gametas. Efetivamente a carga genética do zigoto não é mais a de nenhum dos gametas originais, pelo que é a primeira célula do novo ser. No zigoto vincula-se desde o início, fluidicamente, o reencarnante através de seu perispírito.

Quando o Espírito tem de encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço fluídico, que mais não é do que uma expansão do seu perispírito, o liga ao gérmen que o atraí por uma força irresistível, desde o momento da concepção. A medida que o gérmen se desenvolve, o laço se encurta. Sob a influência do princípio vito-material do gérmen, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, ao corpo em formação, donde o poder dizer-se que o Espírito, por intermédio do seu perispírito, se enraíza, de certa maneira, nesse gérmen, como uma planta na terra. Quando o gérmen chega ao seu pleno desenvolvimento, completa é a união; nasce então o ser para a vida exterior.
Por um efeito contrário, a união do perispírito e da matéria carnal, que se efetuara sob a influência do princípio vital do gérmen, cessa, desde que esse princípio deixa de atuar, em conseqüência da desorganização do corpo. Mantida que era por uma força atuante, tal união se desfaz, logo que essa força deixa de atuar. Então, o perispírito se desprende, molécula a molécula, conforme se unira, e ao Espírito é restituída a liberdade. Assim, não é a partida do Espírito que causa a morte do corpo; esta é que determina a partida do Espírito.
Dado que, um instante após a morte, completa é a integração do Espírito; que suas faculdades adquirem até maior poder de penetração, ao passo que o princípio de vida se acha extinto no corpo, provado evidentemente fica que são distintos o princípio vital e o princípio espiritual.
(A Gênese – págs. 214/215 - grifei)

A união do Espírito ao corpo físico, através do perispírito, faz com que progressivamente se reduza sua lucidez e consciência. Cada fase posterior do desenvolvimento do corpo importa em um aumento da perda da consciência, de tal forma que, no momento do (re)nascimento, jaz obscurecido totalmente, somente a partir daí reiniciando-se, em conformidade com o desenvolvimento dos órgãos físicos, a recuperação de sua consciência.

[...] Desde que este é apanhado no laço fluídico que o prende ao gérmen, entra em estado de perturbação, que aumenta, à medida que o laço se aperta, perdendo o Espírito, nos últimos momentos, toda a consciência de si próprio, de sorte que jamais presencia o seu nascimento. Quando a criança respira, começa o Espírito a recobrar as faculdades, que se desenvolvem à proporção que se formam e consolidam os órgãos que lhes hão de servir às manifestações.
(A Gênese – pág. 215 - grifei)


Paralelamente às considerações já alinhavadas quando da análise da evolução do princípio inteligente e a sua chegada à condição humana, é preciso destacar, por outro lado, que a encarnação não é uma condição punitiva do Espírito.

O ser progride, adquire condicionamentos em um complexo regime de impulsos necessários à sua conservação. Desenvolve, assim, todo um cabedal de instintos que afinam ao máximo as potencialidades do ser. Na linha de progresso, a individualidade e a consciência de si mesmo fazem com que o ser passe a livremente cogitar. Tudo isso já foi abordado no exame dos tópicos “Bem e Mal” e “Livre Arbítrio”.

Cabe apenas destacar, aqui, que a encarnação é o palco natural e necessário para todo esse desenvolvimento. O conceito de que a entrada no plano físico decorre exclusivamente de uma expiação, como defendem os seguidores de Roustaing, não encontra eco no Ensino dos Espíritos.