Neste
mesmo Blog já abordamos a Lenda Maçônica, vendo o simbolismo e o significado
dos conceitos de Filhos do Fogo e Filhos da Água. Duas sendas de elevação
serpenteiam entre si, cada qual levando consigo os que se afinam mais com a
religiosidade e transcendência pela prece, e os que sintonizam com a vida de
realizações, tomando nas mãos e suor as tarefas a que se dispõem, inclusive na
edificação de si mesmos perante o Criador.
Também
já vimos que a igreja latina estabeleceu um credo baseado no medo e na exploração,
mancomunando-se com o poder do imperador para tornar-se, tempos depois, a
grande senhora feudal. Paralelamente os cultos pagãos mantiveram acesa a chama
dos ensinos antigos, mantidos em irmandades secretas, hoje apenas discretas.
Agora
uma questão intrigante.
Na
Lenda Maçônica vimos que a tentativa de unir os dois veios em que se dividiu a
humanidade malogrou --- e estamos, é bom lembrar, em seara simbólica --- pela
ação dos Filhos da Água, que buscaram apagar o Fogo com que Hiram trabalhava na
edificação do Templo de Salomão.
Ora, se estamos vivenciando no aqui e agora os tão decantados tempos (os tempos são chegados), como entender a reunificação dos Filhos?
Observemos
o que vem acontecendo praticamente em todo o mundo, porém mais nitidamente no
Ocidente. As pessoas não se mostram mais dispostas à assunção de uma vida
inerte e contemplativa, até porque o dia a dia das últimas décadas não comporta
esse estilo de vida. Não há, tampouco, uma busca de elevação espiritual ao
encontro dos ensinamentos tradicionais das antigas escolas de mistérios. Num e
noutro caso, só mesmo à conta de exceções identificamos indivíduos com nítida
vocação para filho do fogo ou filho da água.
No
seio da igreja latina surgiram movimentos como a renovação carismática, com uma
feição bem mais próxima dos cultos evangélicos. Esses, por sua vez, reúnem
assembléias com centenas de pessoas e, sob êxtase religioso, realizam os mais
veementes trabalhos de desobsessão espiritual, dignos dos terreiros de umbanda
e candomblé.
Considerando
que os profitentes dos cultos afro-brasileiros têm um perfil bem mais
pragmático do que devocional, vemos um autêntico amálgama entre os pendores da
água e do fogo.
São
tempos confusos esses que vivemos.
Filhos
do fogo e da água imergiram em buscas interiores que, de modo consistente com a
harmonia universal, compeliam mesmo ao equilíbrio necessário a que a Lenda
Maçônica faz alusão, frustrado pela tentativa de eliminar o fogo com a água.
Hoje
encontramos pessoas de senso prático e realizador evidentes procurando nas
preces algo que não podem definir... Infelizmente não têm encontrado.
Há
os que, também, esquecem seus terços e partem para o enfrentamento de questões
metafísicas e místicas... Da mesma forma, não vêm obtendo bons resultado em geral...
Mas,
ainda assim, que bom que estão ousando em seara até então alheia!
Nos
últimos tempos estamos assistindo a um amplo embaralhamento de crenças e
tendências... Parece superficial dizer assim, mas é o que se vê por aí. Preste
atenção ao seu derredor.
O
Espiritismo, ao menos no Brasil, é uma evidência fortíssima disso.
Kardec
estabeleceu as bases da doutrina dita dos
Espíritos, codificando os vários ensinamentos que, de modo sintético e
extremamente pragmático, reuniram vários conceitos da religiosidade ocidental
estabelecida pelo cristianismo. Jesus foi redivivo na condição de avatar, conquanto em ponto algum dos
livros seja assim referenciado.
Ao
desenvolver-se no Brasil, o Espiritismo ganhou ampla influência de Roustaing,
um espiritista que ousou reescrever princípios da doutrina com base no
conhecimento e convicções que tinha, oriundos da cultura religiosa de sua
formação. Foi contemporâneo de Kardec e lançou-se ao conhecimento de outrem
através de obra que juntava os ensinos espirituais resenhados pela codificação
espírita com os valores da fé cristã tradicional, principalmente católicos.
Nesse
bailar de fogo e água, o cristianismo passou a adotar novamente, ao menos entre
os espíritas, o conceito de reencarnação e, apesar de não se usar esse termo,
de carma.
Não
defendo nem Roustaing, nem Kardec. Assim como não defendo a Teosofia em
prejuízo de nenhuma outra corrente espiritualista ocidental. Tampouco creio que
nos livros da mais remota tradição oriental se ache a chave única das verdades
universais.
Mas
creio que é dessa fusão, aparentemente caótica, entre fogo e água que o homem
atual poderá realizar sua obra mais importante: a reintegração do senso místico
com a vida prática do dia-a-dia.