sábado, 23 de março de 2013

Lenda Maçônica e Espiritualismo

Neste mesmo Blog já abordamos a Lenda Maçônica, vendo o simbolismo e o significado dos conceitos de Filhos do Fogo e Filhos da Água. Duas sendas de elevação serpenteiam entre si, cada qual levando consigo os que se afinam mais com a religiosidade e transcendência pela prece, e os que sintonizam com a vida de realizações, tomando nas mãos e suor as tarefas a que se dispõem, inclusive na edificação de si mesmos perante o Criador.


Também já vimos que a igreja latina estabeleceu um credo baseado no medo e na exploração, mancomunando-se com o poder do imperador para tornar-se, tempos depois, a grande senhora feudal. Paralelamente os cultos pagãos mantiveram acesa a chama dos ensinos antigos, mantidos em irmandades secretas, hoje apenas discretas.

Agora uma questão intrigante.

Na Lenda Maçônica vimos que a tentativa de unir os dois veios em que se dividiu a humanidade malogrou --- e estamos, é bom lembrar, em seara simbólica --- pela ação dos Filhos da Água, que buscaram apagar o Fogo com que Hiram trabalhava na edificação do Templo de Salomão.

Ora, se estamos vivenciando no aqui e agora os tão decantados tempos (os tempos são chegados), como entender a reunificação dos Filhos?

Observemos o que vem acontecendo praticamente em todo o mundo, porém mais nitidamente no Ocidente. As pessoas não se mostram mais dispostas à assunção de uma vida inerte e contemplativa, até porque o dia a dia das últimas décadas não comporta esse estilo de vida. Não há, tampouco, uma busca de elevação espiritual ao encontro dos ensinamentos tradicionais das antigas escolas de mistérios. Num e noutro caso, só mesmo à conta de exceções identificamos indivíduos com nítida vocação para filho do fogo ou filho da água.

No seio da igreja latina surgiram movimentos como a renovação carismática, com uma feição bem mais próxima dos cultos evangélicos. Esses, por sua vez, reúnem assembléias com centenas de pessoas e, sob êxtase religioso, realizam os mais veementes trabalhos de desobsessão espiritual, dignos dos terreiros de umbanda e candomblé.

Considerando que os profitentes dos cultos afro-brasileiros têm um perfil bem mais pragmático do que devocional, vemos um autêntico amálgama entre os pendores da água e do fogo.

São tempos confusos esses que vivemos.

Filhos do fogo e da água imergiram em buscas interiores que, de modo consistente com a harmonia universal, compeliam mesmo ao equilíbrio necessário a que a Lenda Maçônica faz alusão, frustrado pela tentativa de eliminar o fogo com a água.

Hoje encontramos pessoas de senso prático e realizador evidentes procurando nas preces algo que não podem definir... Infelizmente não têm encontrado.

Há os que, também, esquecem seus terços e partem para o enfrentamento de questões metafísicas e místicas... Da mesma forma, não vêm obtendo bons resultado em geral...

Mas, ainda assim, que bom que estão ousando em seara até então alheia!

Nos últimos tempos estamos assistindo a um amplo embaralhamento de crenças e tendências... Parece superficial dizer assim, mas é o que se vê por aí. Preste atenção ao seu derredor.

O Espiritismo, ao menos no Brasil, é uma evidência fortíssima disso.

Kardec estabeleceu as bases da doutrina dita dos Espíritos, codificando os vários ensinamentos que, de modo sintético e extremamente pragmático, reuniram vários conceitos da religiosidade ocidental estabelecida pelo cristianismo. Jesus foi redivivo na condição de avatar, conquanto em ponto algum dos livros seja assim referenciado.

Ao desenvolver-se no Brasil, o Espiritismo ganhou ampla influência de Roustaing, um espiritista que ousou reescrever princípios da doutrina com base no conhecimento e convicções que tinha, oriundos da cultura religiosa de sua formação. Foi contemporâneo de Kardec e lançou-se ao conhecimento de outrem através de obra que juntava os ensinos espirituais resenhados pela codificação espírita com os valores da fé cristã tradicional, principalmente católicos.

Nesse bailar de fogo e água, o cristianismo passou a adotar novamente, ao menos entre os espíritas, o conceito de reencarnação e, apesar de não se usar esse termo, de carma.

Não defendo nem Roustaing, nem Kardec. Assim como não defendo a Teosofia em prejuízo de nenhuma outra corrente espiritualista ocidental. Tampouco creio que nos livros da mais remota tradição oriental se ache a chave única das verdades universais.
 
Mas creio que é dessa fusão, aparentemente caótica, entre fogo e água que o homem atual poderá realizar sua obra mais importante: a reintegração do senso místico com a vida prática do dia-a-dia.

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