Desborda da concepção tradicional
desse ensinamento um de seus aspectos, talvez, o mais relevante. O combate aos
exageros da vaidade que, quase sempre, levam a um exacerbado personalismo tem
raízes bem mais profundas que o aprendizado cosmoético em seu caráter formal.
A Lei da Unidade já foi abordada
sobejas vezes nos textos esotéricos das mais variadas correntes
espiritualistas, em todos os tempos e culturas. No entanto, tal qual o
vislumbre faiscante de uma inspiração, certas verdades simples só vêm à mente
como o corolário de uma normalmente longa série de vivências que cada ser
ultrapassa na luta de seu dia a dia.
Sim, não basta anunciar uma
verdade. Não é suficiente demonstrar essa verdade com bem alicerçados
fundamentos. Só mesmo depois que a Vida sucede com sua Alquimia impiedosa,
submetendo a Alma ao solve et coagula,
essa verdade se desnuda do chumbo fosco para uma áurea percepção tão
instantânea quanto o primeiro brilho lançado ao olhar do atônito iniciado.
Bem e Mal são aspectos de uma
mesma realidade. Conquanto reais e efetivos cada qual em seus momentos de
expressão, guardam na essência a comunhão da origem: a Harmonia Universal.
Não precisamos nos alongar nos
meandros filosóficos intermináveis que daí poderíamos facilmente extrair. Seja
como for, o ser humano, mal saído da plena animalidade, experimenta, quase
sempre sob confusas ideações, sequências mais ou menos longas de consciência
lúcida consoante a experiência na Vida assim invoca de sua essência anímica.
A mente insipiente nas maravilhas
do intelecto é como uma CRIANÇA que
abre uma imensa caixa com miríades de brinquedos, todos diferentes e muito
atrativos. Conforme o Uno Impessoal manifesto em cada ser movimenta a centelha
em seu crescimento e força, essa criança se apega aqui e acolá, neste ou
naquele grupo de brinquedos. Toma de alguns para guarda-los egoisticamente sob
um dos braços enquanto, com a outra mão, agita-se na ansiedade de não deixar
passar, talvez, algo ainda mais fascinante.
Busca e busca ao mesmo tempo em
que brinca com os preferidos. Confunde-se ao atirá-los longe sob o desesperado
anseio de ir logo buscá-los de volta. Vez por outra, cansa-se e se apaixona por
outros que, afinal, como não pudera ainda ter notado?
A Alma humanizada é uma CRIANÇA ávida por algo que não tem a menor
condição de definir.
Mas aprende logo que algumas
experiências com as coisas da Vida trazem maior prazer que outras, ao mesmo
tempo em que descobre um fenômeno com o qual terá que conviver praticamente
todos os dias: a dor. A dor, sem seu sentido mais amplo. A dor de perder algo
que muito desejava. A dor de perder por esquecer-se. A dor de perder por ter
atirado longe demais. A dor de ter tentado manter algo insustentável por suas
forças. Enfim, a dor.
Outra dor lhe é apresentada pela
Vida. Descobre-se como alguém que tem mais alguém consigo, igualmente ávido
pelas coisas da Vida que deveriam, é claro, ser apenas e tão somente dela. Quem
é esse outro alguém que simplesmente vem e vai pegando “suas” coisas?
A Alma humanizada é uma CRIANÇA e, como tal, é muito egoísta.
Bem por isso, a forma de lidar
com as coisas varia quase ao infinito. No mesmo passo, o modo de encarar, de
conceber, de perceber o mundo à volta baila ao sabor do gosto pessoal. Não é
diferente com a noção de certo e errado, de Bem e de Mal.
Que a mão esquerda não saiba o
que faz a mão direita...
A realização da Obra passa por
toda sorte de idiossincrasias. A Harmonia Universal, no mais saboroso paradoxo
dos místicos, manifesta-se exatamente naquilo que costumamos designar como “o caos”.
A entropia é uma grandeza da mais ortodoxa ciência. Aliás, observe uma imagem,
digamos, de 20m por 20m, com o nariz a um centímetro do centro. A cabeça fixa,
apenas com o volver dos olhos, observe essa imagem e tente descrevê-la. Agora
pense no que veria se estivesse, por hipótese, a uns 50m dessa mesma imagem.
O caos é a ignorância dos
contornos exatos de um sistema. O caos é a percepção limitadíssima de uma
ínfima parcela da Harmonia Universal.
Mas existe a Harmonia Universal.
Apesar de todas as idiossincrasias e autênticas sandices humanas, tudo e todos
estão inseridos em um sistema que leva a tudo e a todos na correnteza da Vida.
Até mesmo as coisas mais
aparentemente ignóbeis. Até mesmo as monstruosidades. Até mesmo o Mal.
No transcorrer do desenvolvimento
humano, em decorrência do Aprendizado a que deve se submeter pela Vontade do
Criador, cada centelha da Vida se agita e vai angariando maior consciência.
Porém assim não é senão à conta das experiências, muitas de sabor desagradável,
que se sucedem nas (infinitas?) eras, milênios, séculos, décadas, enfim, no
concerto do Eterno. O que é agradável à sensibilidade imediata, e esse é um
caráter mais ou menos constante da própria vida humana, raramente é edificante
dos valores cosmoéticos que o ser, desejando ou não, termina por aquinhoar.
A criança experimenta um alimento
saboroso e, desde que não impedida, comê-lo-á até que o organismo não mais
suporte. O homem ainda tem muito dessa criança em si. Busca e busca. Seus olhos
nunca se cansam de ver, como ecoa Tomás de Kempis com Provérbios 27:20.
A Vida ensina os contornos do
bom-senso do único modo capaz de convencer em definitivo a Alma. Não será sob
castigo ou ameaças que o homem deixará de fazer ou de omitir-se, mesmo com
toneladas de avisos, ensinos, iniciações, cátedras e mais cátedras. Só a
experiência, a reiteração, a livre condução diante dos fatos e circunstâncias
do mundo é que cada ser humano delineia em si os valores profundos que, sob
estertores ou no mais abismal silêncio, passam a compor sua própria essência.
E isso leva tempo. Coisa que o
Eterno tem de sobra.
Em meio à sua jornada, o homem
nada atavicamente no rio da Vida como um peixe. Num momento a favor da
correnteza, noutro contra, mais acima, mais abaixo, com rapidez, lentamente.
Mas jamais, nunca, por força alguma, deixará de nadar estritamente no traçado
do rio. O rio da Vida lhe garante o livre arbítrio do uso de suas nadadeiras,
mas o mantém sob a correnteza e no exato lugar que, minuto a minuto, faça ele
por merecer estar no traçado das águas.
O rio da Vida varia em trechos
entrecortados, estreitos, largos, fundos, raros, com muitas ou poucas pedras.
Em sua viagem, o homem adota a postura que lhe parece a melhor em cada fase. O
mais interessante é que faça o que fizer, aja como agir, estará no lugar certo
no momento exato. Mesmo quando se põe ao fundo, junto ao leito lodoso, escuro,
absorvendo o aprendizado do quão menos dificultosa é a navegação mais alta e
sob claridade. Entrelaçam-se infinitas possibilidades e o homem, por um lindo
capricho da Vida, por vezes deixa o fundo e, seja por seu mero exemplo ou por
efetiva interação, evita que outrem continue em sua pretensão de descida. A
Vida muitas vezes é encantadoramente poética.
Não houvesse alguém se precipitado
no abismal egoísmo e não seria possível evitar que outros desencantados
trilhassem a mesma tragédia. Felizmente não são poucos os que se convencem
integralmente pelo exemplo tristemente assistido de quem precipitou-se e
protagoniza a agonia do retorno.
Mas o rio da Vida é a
manifestação da Criação. Não será por outro motivo que a Natureza mantém peixes
e peixes, homens e homens, Almas e Almas. O abismal habitante do nicho profundo
das águas turbulentas e escuras é instrumento tão importante e indispensável
quanto qualquer outro no concerto da Harmonia Universal.
Que a mão esquerda não saiba o
que faz a mão direita...
Os que escolhem o Caminho da Mão
Esquerda, tenham ou não consciência do que sejam diante do Criador, estão
sempre e sempre sob a mesma Harmonia Universal que é a Vondade de Deus. Ignoram
seguidas vezes o imenso Bem que fazem aos que optam pelo Caminho da Mão
Direita. Tampouco esses imaginam o tanto que têm a agradecer a seus irmãos de
senda invertida.
Esse texto tem apenas a pretensão
de agradecer a TODOS os seres que Deus criou, sem nenhuma exceção. Como cantava
Raulzito, o Bem e o Mal num romance astral.
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