Junho de 2020
Quando olhamos o passado e meditamos sobre as fases ruins que o mundo viveu, via de regra, tudo parece muito tenebroso.
Até a minha geração havia um motivo a mais para isso. Os registros antigos de imagem, fotografias ou vídeos, foram feitos em preto e branco e sob padrões hoje considerados péssimos de definição.
Não há dúvida.
Quando vemos imagens, por exemplo, dos grandes desfiles nazistas todo o tom majestoso ainda mais se transmuta para cenários trevosos sob as imprecações borradas e tremidas e com a voz do discurso metalizada e com ruídos.
Imagens da II Guerra causam tormentos não muito diferentes dos filmes tanto mais escuros e imperfeitos produzidos durante a I Guerra...
A Espanha de Franco também está na memória de quem não se resguarda de rever como já foi a vida.
Lá no início do conturbado século XX também está a Gripe Espanhola.
Aliás, nada mais
aterrorizante do que pensar em pandemias nestes tempos.
Seja como for, com a pandemia atual da COVID-19, percebemos que não é a mesma coisa saber ou conhecer alguma tragédia se compararmos com a experiência de vivenciá-la.
É menos assustador estar no barco que atravessa uma tempestade do que avistar de longe esse mesmo barco e contemplar sua travessia.
Exatamente isso que tenho sentido ultimamente.
E isso também me assusta muito.
Quando olho para as velhas catástrofes da humanidade, vejo-as como períodos insuportáveis. Só de contemplar um grupo de oficiais da SS, por exemplo, todo o horror do holocausto me retorna à alma, assim como numa catarse retroativa por comunhão arquetípica. Se é que me posso expressar assim.
Vendo os capacetes com pontas, o Grande Primeiro Conflito me retorna com os combates aproximados, inimigo matando inimigo olhando-o diretamente nos olhos.
E a peste?
As máscaras longas dos físicos com capas negras e enormes chapéus. Numa época em que nada se sabia sobre patógenos.
Na Gripe Espanhola, imensos hospitais improvisados com macas alinhadas, enfermeiras gravemente uniformizadas e a morte ceifando milhões no mundo todo.
Mas...
Que temos hoje?
Um vírus altamente vocacionado para as vias aéreas humanas. Altíssimo potencial de contágio.
As potências econômicas mundiais foram as primeiras a vivenciar o desespero de exaurir os sistemas de saúde público e privado. Corpos se acumulando em necrotérios. Em países pobres corpos foram abandonados na via pública.
Em época de comunicação plena e instantânea, notadamente via internet, a morte se desnudou em todo o planeta.
Mas esse é, efetivamente, o barco em que estamos agora.
Essa é a enorme e destruidora tempestade que estamos enfrentando.
Assusta-me muito perceber que a maioria das pessoas não se dá conta de qual é a realidade objetiva que está, minuto a minuto, sendo esfregada em nossas faces.
Tenho a impressão de que um dia alguém olhará para os registros históricos destes tempos e temerá. Na verdade tremerá.
Tremerá de medo porque, ao que tudo indica, máxime no Brasil, a COVID-19 vai matar muitos milhões de indivíduos.
O meu "hoje", este instante de escrita, é meados de junho de 2020.
Já passamos de 42.000 mortos desde o início da doença aqui, em janeiro de 2020.
Como será daqui a alguns meses?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Somos livres em nossos pensamentos, opiniões, convicções. Seja bem-vindo! --- Obs.: tendo recebido comentários ofensivos sob o véu do anonimato, vi-me obrigado a não permitir mais mensagens sem identificação. Peço a compreensão dos amigos que aqui já postaram como anônimos antes, mas, infelizmente, nem todos têm senso de urbanidade e cidadania.