Há um excessivo apego à subjetividade nos tempos
atuais. Isso se manifesta desde a assunção de concepções particulares acerca de
tudo, mesmo à ilharga de maiores considerações sobre a autoridade dessa ou
daquela opinião, até à tese, algo mirabolante, de que tudo o que existe compõe
a percepção intrínseca de cada um. E assim o ser humano progride no exercício
de sua liberdade de pensar, exacerbada, vendo-se pessoas deitadas sobre o
orgulho ter uma convicção pessoal sobre quaisquer assuntos, até mesmo aqueles
amplamente ignorados. Na seara filosófica, e também mística, muitos são os que
invocam conceitos mal compreendidos para assentar uma visão simplista de que só existe o que há em minha percepção.
Nesse contexto, coisas como postulados de física
quântica são mencionados, em vôo rápido, para dar pretenso fundamento à noção
deformada de que só existe a consciência. Ainda outro dia, num filme sem
nenhuma pretensão, em cuja cena embalava-se um personagem nitidamente insano,
as crianças correndo numa praia estancavam imóveis sempre que ele mudava a
atenção para outros pensamentos.
Há quem creia que seja assim mesmo.
Mas, nessa mesma praia, permito-me cogitar, se alguém
resolve revolver a areia em busca de conchas poderá encontrar, digamos, um
anel. Alguém perdeu o anel que, sob efeito dos remansos, afundou na areia e ali
permaneceu. Quem o perdeu nem imagina --- por óbvio! --- onde está; quem o
acha, por igual, toca-se de absoluta surpresa.
Um cidadão apressado desembarca em um movimentado
aeroporto. Sob reforma, o local se ressente das indicações necessárias para o
bom fluxo dos pedestres. O sujeito, com olhos fixos no celular, buscando no
Google Maps seu destino, dá com a testa na imensa porta de vidro ainda sem a
conveniente faixa amarela que a denunciaria a todos.
Dois exemplos simplórios, porém eficazes, na indicação
de que nem tudo o que efetivamente existe e pode conosco interagir deve estar
previamente em nossa consciência.
Se alguém coloca veneno no vidro de remédio de incauto
paciente, certamente alcançará o efeito mortal mesmo com a absoluta e plena
convicção da vítima sobre a eficácia curativa do medicamento.
Leandro Karnal, com sua verve inexcedível em brilhante
exposição, menciona que hodiernamente os jovens, quando muito, lêem um ou dois
parágrafos de Kant, para logo em seguida anunciar não concordo com isso! Eis aí, também, um aspecto do excessivo
subjetivismo que hoje viceja.
A metamorfose ambulante de Raul Seixas impregnou, com
sua sedutora filosofia autossuficiente, o pensamento de muitos. A mesma
exponenciada rapidez com que tudo é analisado e valorado hoje em dia tem feito
com que conceitos complexos do esoterismo sejam aviltados em exposições primárias,
simplificando-se ideário abrangente em definições paupérrimas.
Isso já vinha ocorrendo em grande escala com o
Espiritismo.
A noção que a maioria tem de causa e efeito no contexto da Doutrina Espírita, com raízes no
conceito de karma dos orientais,
parece sempre levar a uma tabuada absurda em que ficam tabelados efeitos para os
crimes cometidos. Se fulano matou-se com um tiro na cabeça, renascerá com
problemas mentais. Se beltrano matava com estocadas no coração, renascerá com
problemas cardíacos. E assim por diante. Não são poucos os que pensam assim,
pondo o Universo sob um fatalismo essencialmente vingativo, numa relação de
crime e castigo em que a consciência --- eis aqui um paradoxo para quem tudo
credita à consciência --- nada tem de relevante.
Esse subjetivismo simplista que esculpe noções
aberrantes sobre temas complexos vem reduzindo a capacidade de análise a um
lanche Macdonald, pego em drive-thru,
devorado sem nenhuma – sequer – curiosidade sobre seu conteúdo.
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