Vamos tomar de empréstimo uma parábola antiga.
O espírito sobe por uma montanha, obedecendo a um impulso inato e de sua própria essência. Progride e vai vencendo os obstáculos da escalada. Nem se dá conta de que a imensa montanha tem uma inclinação negativa, inclinação que torna impossível retornar.
O espírito segue, assim, até encontrar uma reentrância plana, grande e confortável. O pequeno platô na encosta da imensa montanha é grande o bastante para que o espírito aí encontre reconforto e descanso. Após refazer-se da longa jornada anterior, o espírito percebe-se um ser que está subindo por uma imensa montanha.
Sabe que veio lá de baixo, de onde não mais se recorda. Sabe, também, que não tem como voltar. Olha para a montanha à sua frente e vê que a subida é íngreme e as pedras são lisas, com poucos pontos de apoio.
Parte em sua jornada e seguidas vezes escorrega em pequenas quedas até a reentrância em que estacionara.
Vem-lhe o medo de continuar. Sabe que a cada tentativa foi mais longe, mas caiu... Sabe que deve subir mas que, sendo a subida ainda inclinada, depois de avançar bastante caso venha a cair não mais atingirá a reentrância, precipitando-se no abismo.
Depois de mais algumas tentativas, indo cada vez um pouco mais além, chega ao limite de suas possibilidades.
Vem-lhe a compreensão de que o pequeno mas importante platô em que se recolhe é o seu limite de individualidade. Entende que não é, de si para consigo, o suficiente para o enfrentamento da jornada de si mesmo nas ascensão.
Percebe, enfim, que sua individualidade não é o bastante para que consiga subir. Precisa de ajuda. Precisa de algo mais além de si para que possa continuar. Tem que transcender aos limites de sua individualidade para seguir adiante.
Mas não sabe exatamente a quem recorrer... Entende-se apenas um ser em progresso naquela árdua subida...
O cansaço se converte num leve alheamento de si mesmo. Torna-se uma serenidade que se insinua como um sono invencível, um torpor que seduz pelo conforto que consigo traz...
Deixa-se ir adiante e, sem entender, uma força o mantém firme na encosta para que possa tirar frutos de seu esforço.
Sobe... Sobe... Simplesmente avança...
No silêncio, na calma, na paz, percebe que existe algo que transcende os limites de seu ser. Algo que ainda não entende mas que é igualmente seu, tão essencial a si mesmo quanto a noção que tinha enquanto demorava-se na reentrância da montanha.
O espírito tem aí a sua experiência mística de transcendência de seu ego.
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