Um dos aspectos cosmoéticos mais relevantes é a relatividade da importância de atitudes aparentemente insignificantes. A bela música de Renato Teixeira diz "como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar". O romeiro vence a distância e, diante do objeto de sua devoção, exibe a si mesmo, desnudando-se candidamente. A prece assim ofertada, apenas com um olhar, tem menor valor?
Quando lhe batem ao portão pedindo comida, ou água, ou uma esmola qualquer, qual a atitude correta a se tomar? Impressionam-me tantos sofismas acerca do "mal" que fazemos ao estender a mão a quem nos pede algo. Variam desde a invocação das desditas auto-impostas até a responsabilidade aviltada das obras sociais que os tributos deveriam financiar. "Não podemos consertar o mundo!", bradam tantos...
Mas... Dar uma esmola, como quem se doa num olhar, seria mesmo algo tão pernicioso?
Sei de muitos que entendem ser a desdita de cada um a medida exata que o Universo forja para as suas necessidades... Algo assim como um autêntico "já que Deus assim o permite, não serei eu quem vai se meter...".
De minha parte, na pequenez de minhas imperfeições, ouso romper o silêncio para impor a mim mesmo um dever: jamais deixarei de dar uma esmola, um trocado, um pouco de comida, ou simplesmente minha atenção, meu olhar, a quem me pede... Se o dinheiro for usado para uma cachaça, que o álcool alivie o espinheiro de quem perdeu-se nas correntezas perigosas desse ribeirão que é a Vida... Se a comida alimentar quem se joga voluntariamente na assistência alheia, que a fome não o atormente mais do que suas opções infelizes.
Bem, mas não só de mendigos e pedintes estamos a cogitar.
Renato Teixeira foi tocado por inspiração ao conceber a mais simples oração como um olhar. De fato, uma das obras mais significativas que o homem pode realizar neste mundo é olhar o seu semelhante nos olhos, dando-lhe atenção de verdade, ouvindo-o para a doação de uma resposta que, na medida das próprias imperfeições, não se ressinta de sinceridade.
Com o tempo aprendemos que essas pequenas obras são os tijolos da Grande Obra. Ninguém poderá se auto-corromper negligenciando o amor ao próximo sem sofrer a óbvia consequência: saber-se-á devedor de um dos mais valiosos dons magnos da Alma, a Boa Vontade.
Não se trata de religião ou religiosidade. É o que nos cabe do Olhar...
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